O cheiro da amendoeira

Com o passar dos anos, descobri que o inverno tem pelo menos duas coisas boas. Duas não, três. A primeira é a tangerina, fruta perfeita para se comer num ensolarado dia de verão, mas que, por um capricho da natureza, só dá na estação mais fria do ano.

A segunda coisa boa do inverno também ficaria muito melhor no verão: a água do mar tem uma temperatura muito mais convidativa. No verão. quando está todo mundo de férias e as praias ficam lotadas, ela é gelada...


E da terceira maravilha do inverno, me dei conta numa manhã de sábado, pedalando pelas ruas internas de Copacabana. São as amendoeiras, que liberam aquela noda com um aroma... um aroma...

Quem me dera ser um Aloisio Azevedo para encontrar as figuras de retórica perfeitas para definir esse tão especial cheiro. Mas a gente tenta. É um cheiro forte... bom, isso é muito pouco. Não é um perfume, chega a causar um leve incômodo, acho que pela acidez. Há algum químico ou botânico na platéia?

Um dia, logo, sua internet vai ter cheiro e eu te mostro o aroma das amendoeiras no inverno. Viajei para a minha infância na Urca, repleta dessas árvores e de morcegos, que são comedores compulsivos de amêndoa.

Meu amigo Edinho atirava uma amêndoa verde e derrubava uma madura, que ele mesmo pegava, antes de ela bater no chão, e comia.

Nas nossas guerras de amêndoa, ter o Edinho no exército inimigo era garantia de hematomas. A 50 metros, ele podia estalar uma fruta madura na sua barriga. Pior que bala de borracha do Exército no Alemão.

Uma vez, ele acertou o olho do Luis Camarão, que também era bom de mira. Mas, depois do teco que o Edinho lhe deu, ficou parecendo que o "Camara" tinha levado uma bifa do Minotouro.

Nunca comi amêndoa. Me parece muito seca.

Mas o cheiro da noda das amendoeiras entrava até as entranhas. Por isso, numa dessas manhãs de sábado, voltei à minha infância, olhando para o céu, numa esquina de Copacabana.

Comentários

  1. O engraçado Marcelo,é que aonde quer que a gente chegue,(pelo menos aqui no brasil)tem essas árvores,seja nas grandes cidades,ou nas pequenas cidades do interior,lá estão elas com seus enormes galhos a nos fornecer uma bela sombra... Abs.

    Monica.

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  2. Sargento Emerson. São pedro da aldeia-RJ11 de setembro de 2011 às 11:49

    Aqui na minha região além de tudo isso que você observou com maestria o vento forte é capaz de despentear cabelo na cabeça de careca rsrsr...
    Marcelo brincadeiras a parte não sei seu credo porém vejo que existe uma mão criadora por trás dessas maravilhas que você descreveu com sabedoria, parabéns pela observação.

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  3. Valeu, Sargento, obrigado pela companhia.

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  4. Bom texto, Marcelo, moro no rio de janeiro hà 30 anos,também aprecio o outono/inverno carioca pois
    o verão por aqui é chapa quente.
    Sou de Fóz do iguaçu PR, uma das mais belas cidades brasileiras.
    Moramos num pais que apesar de mal administrado é uma potencia pela natureza que possui. Ainda vamos agradecer por ser brasileiros, quando por exemplo começar a faltar água no mundo.

    Sergio

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  5. “ (...) Essa árvore de certo modo incorporada aos bens pessoais, alguns fios elétricos lhe atravessam a fronde, sem que a molestem, e a luz crua do projetor, a dois passos, a impediria talvez de dormir, se ela fosse mais nova. Às terças, pela manhã, o feirante nela encosta sua barraca, e, ao entardecer, cada dia, garotos procuram subir-lhe pelo tronco. Nenhum desses incômodos lhe afeta a placidez de árvore madura e magra, que já viu muita chuva, muito cortejo de casamento, muitos enterros, e serve há longos anos à necessidade de sombra que têm os amantes de rua, e mesmo a outras precisões mais humildes de cãezinhos transeuntes. (...)É como se o cronista, lhe perguntasse – Fala, amendoeira – por que fugia ao rito de suas irmãs, adotando vestes assim particulares, a árvore pareceu explicar-lhe:

    - Não vês? Começo a outonear. Cumpro meu dever de árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações.
    -- E vais outoneando sozinha?
    -- Na medida do possível. Anda tudo muito desorganizado, e, como deves notar, trago comigo um resto de verão, uma antecipação de primavera e mesmo, se reparares bem neste ventinho que me fustiga pela madrugada, uma suspeita de inverno.
    -- Somos todos assim.
    -- Os homens, não. Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho, e teu trabalho é exatamente o que os autores chamam de outonada: são frutos colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se dilui em treva. Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza.
    -- Não me entristeças.
    -- Não, querido, sou tua árvore-de-guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonize com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-se com dignidade, meu velho. “

    (Carlos Drummond de Andrade)

    Dizem os entendidos no assunto que estão em Copacabana os últimos exemplares que preservam a forma natural de suas copas. A maioria descaracterizou devido ao uso inadequado de podas sistemáticas.
    Quem sabe essa da foto seja uma dessas raridades?

    Sombra, lembranças e até conselhos. Sábias amendoeiras.

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  6. Bem ,como você nunca experimentou uma amendoa,vou descrever pra você o sabor ,pois não resisti a curiosidade na infância .Quando ela está madura ,com coloração arroxeada (escrevi certo ?),é macia , adocicada e "molhadinha" e a semente (a amendoa )tem gosto de côco.Pode experimentar que você vai gostar !

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  7. Alem do cheiro, a beleza das folhas se pintando de amarelo, prenunciando a chegada da primavera. Yves Rangel

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  8. Oi Marcelo. Ainda buscando saber que árvore é esta que me inebria, descobri seu texto e penso que encontrei-a. Veja se a minha descrição confere?
    http://coisasdeada.blogspot.com.br/2012/06/cheiro-amargo-de-uma-arvore.html
    Gostei muito de sua crônica! Bjs. Ada

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  9. Eu já comi amêndoa na infância. Foi em São Pedro Aldeia numa época em que a orla era repleta de amendoeiras. Elas ficavam maduras no pé e não era difícil arrancar e comer. Fiquei muitos anos sem comer. Quando fui fazer, já há alguns anos, achei o gosto horrível. Ou era um outro tipo ou ela perdeu o rebolado. O fato é que as amendoeiras da orla de São Pedro foram arrancadas depois de um juiz se acidentou. Seu carro bateu com força e velocidade em uma árvore e ele teve morte instantânea. Ele o Red Label que estava no interior do carro - aberto.

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