A mulher vem em ondas

Neste dia em que o mar do Rio acordou de ressaca, vi uma morena emoldurada pela fúria marinha e lembrei do grande poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto.

Morena na Praia de Copacabana. Foto de Marcelo Migliaccio


IMITAÇÃO DAS ÁGUAS
(João Cabral de Melo Neto)


De flanco sobre o lençol,
paisagem já tão marinha,
a uma onda deitada,
na praia, te parecias.


Uma onda que parava
ou melhor: que se continha;
que contivesse um momento
seu rumor de folhas líquidas.


Uma onda que parava
naquela hora precisa
em que a pálpebra da onda
cai sobre a própria pupila.


Uma onda que parava
naquela hora precisa
em que a pálpebra da onda
cai sobre a própria pupila.


Uma onda que parava
ao dobrar-se, interrompida,
que imóvel se interrompesse
no alto de sua crista


e se fizesse montanha
(por horizontal e fixa),
mas que ao se fazer montanha
continuasse água ainda.


Uma onda que guardasse
na paria cama, finita,
a natureza sem fim
do mar de que participa,


e em sua imobilidade,
que precária se adivinha,
o dom de se derramar
que as águas faz femininas


mais o clima de águas fundas,
a intimidade sombria
e certo abraçar completo
que dos líquidos copias.

Comentários

  1. Em rendição à bela foto da fera enjaulada, os versos de outro poeta pernambucano:

    Uma moça bonita
    De olhar agateado
    Deixou em pedaços
    Meu coração
    Uma onça pintada
    E seu tiro certeiro
    Deixou os meus nervos
    De aço no chão...

    Foi mistério e segredo
    E muito mais...

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  2. Os poetas que me desculpem. Mas uma mulher dessas torna qualquer palavra irrelevante. Ela é o próprio poema.

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