Enfim, um grande filme brasileiro!

Andei reclamando aqui dos filmes brasileiros exibidos ultimamente nos cinemas, mas acabei de ver um belo exemplo de que por aqui podemos fazer algo mais que novelas filmadas de duas horas de duração.

Trata-se de Transeunte, de Eryk Rocha, que está em cartaz no Rio. Mas, atenção, a maioria talvez não vá curtir, porque não tem mulher nua, carrões, tiro, correria, artistas conhecidos da TV, lindas paisagens, piadas idiotas, enfim, nada do que se convencionou como atrativo de bilheteria.

Esse não é um filme para se assistir, devorar, como se fosse um saco de pipoca. Transeunte é para se observar, sentir. Às vezes, parece um documentário, tal o realismo de seus personagens.

Mostra apenas a rotina de um viúvo aposentado e sem filhos que mora num pequeno apartamento na parte mais feia do Rio de Janeiro. Já era tempo de uma produção brasileira valorizar o silêncio, voltar-se para o lado mais humano de cada um de nós, sem procurar o caminho fácil do sexo, da violência, das aparências ou do besteirol. Transeunte não exibe botox, mas rugas em big close com lentes macro numa inquietante e redentora visão do envelhcer na metrópole.

Na sessão em que eu estava, com 15 minutos de filme, duas senhoras se levantaram e foram embora. Devem ter ido procurar o Tarcísio Meira na sala ao lado.

Extremamente realista e ao mesmo tempo poético, Transeunte acompanha o dia a dia do protagonista (muito bem defendido por Fernando Bezerra) na sua invisibilidade dentro do formigueiro humano. Não é à toa que as primeiras falas do filme demoram a surgir e limitam-se às respostas do aposentado ao atendente do INSS e ao médico com quem se consulta.

Uma visita apressada de uma sobrinha distante _ e mais preocupada com o namorado que a espera no carro _ é a única lembrança de seu aniversário. Resta ao solitário ouvir o falatório estéril dos programas de rádio AM e torcer pelo seu Flamengo, paixão que lhe traz lampejos do entusiasmo infantil. Seu sexo no bordel não tem falas, coração, só carne, consumida como se fosse a última refeição de uma vida.

Expedito (esse é seu nome) se diverte também nos saraus da terceira idade em plena rua do centro, onde, num final digno de um grande filme, canta um bolero como que se despedisse da vida.

Adorei, há vida inteligente no cinema brasileiro!

Fernando Bezerra, como Expedito, nos mostra a solidão e a beleza do ser humano

Comentários

  1. Mauro Pires de Amorim.
    Provavelmente existem milhões de Expeditos nesse Brasil afora e pelo jeito, no futuro, existirão mais, pois é crescente o número de solteiros, solteiras e casais sem filhos na faixa dos 35 aos 45 anos, o que realmente é triste. Contudo, esse parece ser um belo filme, segundo você descreveu. Vou dar uma conferida, pois nunca se sabe o dia de amanhã e eu ao menos em meus 46 anos de vida, estou mais para Expedito do que para formar família e ter filhos.
    Felicidades e boas energias.

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  2. Marcelo,eu não sou chegada em filmes brasileiro,mas tenho que concordar que o Expedito tem muito bom gosto quando se trata de futebol... Boa noite.

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  3. Marcelo,

    Assisti a estreia de Transeunte ano passado no Festival de Brasília. Também saí do cinema acachapado: pela fotografia em preto e branco que mostra um Rio pouco glamouroso (e muito mais próximo da realidade) e pela simplicidade e beleza com que o diretor (filho do lendário Galuber, bem lembrar) trata temas como perda, velhice e solidão.Não é um filme para todos os públicos, mas vale muito a pena se deixar levar pelos passos desse tal de Expedito, que no fundo somos nós mesmos.

    Se o filme tivesse vinte minutos a menos seria uma obra prima.

    Abraços de sempre.

    www.aovinagrete.blogspot.com

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  4. É, Rodrigo, talvez cinco minutos a menos...

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  5. Em tempo,

    "Rocha que Voa", do mesmo diretor, é um dos documentários mais interessantes e originais que assisti nos últimos tempos. Fala da passagem de Glauber Rocha por Cuba nos anos 70 de uma maneira absolutamente surreal. Um achado. Vale a pena correr atrás.

    Abraços de sempre.

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  6. Já tem Transeunte em DVD, Caso contrario em qual cinema posso vê-lo.

    Sergio.

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  7. Oi, Sergio, o filme está em cartaz aqui no Rio de Janeiro. Eu vi no Unibanco Arteplex, em Botafogo. Creio que ainda não tenha saído em DVD. Um abraço

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