No mundo da rua
Li o livro No mundo da rua, de André Perin Schecaira, em que o autor conta sua experiência no trabalho voluntário com pessoas que não têm onde morar no Rio de Janeiro.
Membro de uma congregação espírita, André trocou muitos fins de semana de praia e cinema para ouvir e cuidar de gente suja, castigada pela vida, arredia, sem autoestima e, muitas vezes, dependente de álcool e outras drogas.
Confesso que já pensei em fazer algo semelhante por meu semelhante, mas faltou coragem, não só para abrir mão dos meus prazeres e minhas folgas mas, principalmente, para me envolver com histórias tão tristes. O próprio autor do livro fala do confilto dos voluntários para controlar seu envolvimento pessoal com as pessoas atendidas.
Eis, para mim, o lado mais nobre de qualquer religião: motivar as pessoas a se ajudarem. E assim, André e seus companheiros passavam parte de seu tempo livre cortando os cabelos, organizando banhos, fazendo curativos e, principalmente, devolvendo àquelas pessoas a certeza de que são gente e que, apesar de estarem na base desta pirâmide social calcada nos bens materiais, não se resumem, como elas mesmo acabam acreditando, a lixo sem valor.
O modo como nós, os incluídos, nós que não somos barrados na porta dos shopping centers, ignoramos solenemente essas pessoas nas ruas, relatado pela ótica dos sem-teto, me chocou. A invisibilidade social faz com que eles, ao chegarem aos abrigos, demonstrem extrema satisfação quando alguém lhes chama pelo nome. Isso mesmo, o simples e corriqueiro fato de ser chamado pelo nome, a primeira coisa com a qual nos habituamos na vida, para eles é o único bem que restou.
O descaso dos médicos de pronto-socorro só reflete o apartheid social brasileiro. No jargão da turma de jaleco branco, essas pessoas, quando chegam ao hospital, são chamadas de P.I.M.B.A.
"Mais um Pobre Indigente Mulambo Bêbado Atropelado"...
A maioria, de fato, é descendente de escravos. Muitos são filhos de pais que não tiveram um Bolsa Família para que pudessem estudar. Outros fugiram da escola, uns poucos são até poliglotas. Não importa a razão, um acidente repentino na vida pode colocar qualquer um na situação deles.
A passagem mais emocionante do livro é quando um menino, faminto, morrendo de frio e drogado na calçada, abraça o voluntário que nunca vira antes como um filho abraça a própria mãe. Mais que um cobertor e uma quentinha, ele queria alguém para poder abraçar. Acho que é por isso que eu jamais teria coragem... sou egoísta demais para sofrer assim.
O excelente filme francês O Porto, que está em cartaz no Rio, me lembrou muito o livro, pois mostra o esforço de um engraxate e de seus vizinhos do subúrbio para impedir que um garoto, que imigrou ilegalmente do Gabão, seja deportado. Uma solidariedade de quem pouco tem para com quem nada tem. O desempenho do ator André Wilmes emociona.
A única coisa que lamentei no livro é que fiquei querendo saber mais sobre o passado e o futuro daqueles personagens reais, jogados nas ruas pelos mais diferentes motivos e com as histórias de vida tão variadas. Com experiências vividas antes desta epidemia de crack, fico a imaginar como estão as coisas debaixo dos viadutos e das marquises. Basta ver pelo número de recém-nascidos que têm sido abandonados em qualquer esquina.
Tem uma ótima entrevista com o autor de No mundo da rua no blog Alma Lavada
Ler a entrevista
Marcelo, esta foto fez meu coração doer.
ResponderExcluirO meu também
ExcluirMarcelo, muito obrigado pelas palavras...
ResponderExcluirSe as histórias conseguiram te tocar, já sinto uma enorme alegria!
Grande abraço,
André Perin Shecaira
Eu que agradeço pelo livro que você teve a sensibilidade de escrever. Parabéns!
ExcluirSenti uma culpa enorme por não estar fazendo nada por esses desvalidos.
ResponderExcluirSempre penso em ajudar de alguma forma mas não sei qual. Será que o autor do livro poderia me dar dicas? Não moro no Rio e já procurei algumas instituições mas não deu muito certo. Queria ser amiga dele para aprender como começar a ajudar.Abraço, Maria Elvira
Não sinta culpa, Maria, ninguém vale esse mal que você faz a si mesma. Abraço
ExcluirMauro Pires de Amorim.
ResponderExcluirNão sou religioso. Ainda bebê, fui batizado na Igreja Católica Apostólica Romana, muito mais por questão de tradição familiar do ramo de minha mãe. Atualmente sou ateu, agnóstico, pagão, herético, outro termo ou rotulação similar, que alguns religiosos relacionam com quem não tem religião alguma.
No entanto, tenho parentes, amigos(as) e conhecidos(as) que são religiosos(as). Por bem querer e consideração a tais pessoas, não me incomoda nem um pouco, participar de cerimônias em que estejam relacionadas, mesmo que eu não saiba uma oração ou liturgia sequer.
Ainda assim, em meu parco conhecimento acerca de assuntos religiosos, cheguei à conclusão de que a alma, o espírito, tal qual a ética de cada um, são a consiência e o caráter. Tente fazer uma leitura de um texto religioso onde a alma e o espírito estejam relacionados e substitua tais palavras por consciência e caráter, em termos de valoração ética.
Mas tudo bem, não fico traumatizado por ser relacionado, nomenclaturado ou rotulado por pessoas que necessitam de referenciais esteriotipatizantes em relação aos outros. Certamente, por isso que o desvalido cidadão que vive no mundo da rua, ficou tão feliz em ser chamado pelo nome. Já que todos nós temos um nome e é uma das primeiras coisas que aprendemos ainda bebês, que usemos para nos referirmos uns aos outros.
Chega de esteriótipos estigmatizantes e preconceituosos! Isso é que os microcéfalos com capacidade intelectual e cerebral de equivalência comparativa com um amendóim mofado da área da saúde deveriam ter de consciência, ao invés de ficarem criando termos e piadinhas em cima da desgraça alheia.
Ou será que esses babaquaras arrogantes da área da saúde pensam que alguém se torna indigente social por opção e ideal de vida?
Só mesmo na mentalidade microcéfala dessa gente da área da saúde, que se julga superior aos demais cidadãos. Não passam de profissionais com mentalidade mercenária de açogueiros inescrupulosos, que enxergam os pacientes tal qual pedaços de carne. Portanto, os socialmente indigentes, são carne suja, desvalida, contaminada. Mas de microcéfalo(a), só se pode esperar isso!
Tenho certeza que se o poder público quiser, por meio dos órgãos de assistência social e jurídica, conseguirá ou ao menos tentará localizar um parente desses socialmente desvalidos e sem qualquer resto de dúvida, essas pessoas desvalidas fazem jús ao Bolsa Família.
Mencionei a localização de algum parente, pois como sou advogado, em termos jurídicos, o Direito de Família, preconiza a obrigação e solidariedade familiar recíproca enquanto instituto de protecionismo social. Inclusive, se houver parente com posses materiais e estabilidade econômica capaz de arcar, é o caso até de se requerer o Pensionamento Alimentício, diante da necessidade do(a) requerente e mediante a possibilidade do(a) requerido(a). Devido sua característica de protecionismo social, o direito e prazo para o requerimento ao Pensionamento Alimentício ou Pensão de Alimentos é imprescritível e pode ser efetuado a qualquer momento da vida da pessoa, ainda que seja maior de idade, bastando para isso, surgir a situação de necessidade social.
Sei que a maioria dos socialmente desvalidos que moram na rua são pessoas e famílias de origem pobre, mas que podem contar com um apóio de moradia de algum parente e por parte do Estado, com o Bolsa Família para ajudar nas despesas. Embora seja mais raro, podem haver também pessoas de origem familiar de algumas posses e que foram negligenciados, escurraçados e mau-tratados por parentes tiranos e usurpadores.
Para finalizar, lembro que, direitos não são favores, são garantias.
Felicidades e boas energias.
Lendo esse blog, percebo que tem muitas pessoas se preocupam com o próximo, isso é ótimo, enquanto a tv mostra o contrário.
ResponderExcluirPor exemplo: A nova propaganda da Sky com a milionária Gisele Bündchen é um incentivo a disputa entre as pessoas, pois no fim da propaganda ela fala, "Sky, você na frente sempre".
Será que o que importa mesmo é estar sempre na frente de todos ??
Não seria melhor todos caminharem juntos ??
Cury
Pior, Cury, é a propaganda da Peugeot, em que o Guga pratica direção perigosa em alta velocidade e quase atropela três operários. Ótimo exemplo...
ExcluirRealmente a oportuna referência ao ótimo filme francês, mais do que procede, principalmente nestes tempos insanos de neoliberalismo predador, excludente e massacrante. O altruísmo e a solidariedade, como cerne da película, caminham na direção oposta à ilimitada ganância capitalista. Quem dera a vida fosse assim...Admiro e respeito profundamente quem se engaja na defesa ou proteção ou cuidado ou atenção ou caridade, etc., com relação aos desvalidos, fracos e oprimidos. Para ficar no clima humanitário, reproduzo esta pérola do Gabriel Garcia Marquez:"Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se".
ResponderExcluirAbraço
Marcos Lúcio
Conheço o sentimento de impotência e uma sensação de quase medo diante de um trabalho como o descrito. Sim, é muito difícil. Já trabalhei com cegos e espero altar a trabalhar: ler para eles é muito bom. Mas com o povo da rua, porém, é outra história. Ver o semelhante reduzido à animalidade: na busca do calor, do alimento, na fuga diante dos predadores. É preciso mais do que bondade, é preciso entrega. Valeu a divulgação do trabalho deles, que fazem tudo em silêncio, sem manchetes ou recompensas de quaisquer tipos.
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