Sabadão em Madureira

Nada de praia, muito menos de shopping, nem de Pão de Açúcar, nem de Cristo Redentor. Peguei a outra metade da laranja pelo braço e rumei para a Central do Brasil. Logo na chegada, surpresa com a degradação da área que circunda a estação de trem no centro do Rio. Uma cracolândia foi instalada numa das ruas vizinhas. Pessoas terminais perto do terminal ferroviário... Mas a viagem estava apenas começando e aquela cena deprimente logo ficou pra trás.

Entramos num trem novinho (sorte) e rumamos para Madureira. De carro leva mais de uma hora num dia de semana; sobre os trilhos, sempre 20 minutos. Composição vazia, dia lindo, uma delícia. Ruim, só o preço da tarifa, R$ 2,90. Por isso, trabalhadores que não ganham o suficiente para ir e voltar para casa durante a semana, dormem sob as marquises do centro da cidade.

Este ano, estive no tradicional bairro da Zona Norte carioca para gravar uma entrevista. Achei o coração comercial daquela área muito interessante e, desde então, já voltei umas duas vezes lá, a passeio.

Trem suburbano no Rio/Foto: Marcelo Migliaccio

Aos sábados, o comércio fica ainda mais fervilhante e o epicentro é no Mercadão de Madureira, um shopping popularíssimo, pródigo em lojas de artigos para festas infantis e para umbanda e candomblé em seus dois andares. Mas as ruas em volta também ficam lotadas, como mostra a passarela.

Madureira, Rio/Foto: Marcelo Migliaccio

As ruas, aliás, são muito sujas, há calçadas esburacadas e o carioca nunca primou pela educação mas, de vez em quando, eu preciso tomar um banho dessa carioquice mais rústica e Madureira é um dos melhores lugares do Rio para isso. Só nesta cidade maravilhosa, o currículo do cabeleireiro ganha em destaque na fachada.

Madureira, Rio/Foto: Marcelo Migliaccio


Olha como ficou a loja por causa da liquidação. Não dava nem pra andar lá dentro.

Loja em Madureira, Rio/Foto: Marcelo Migliaccio


As crianças se fascinam mesmo é com os peixes no Shopping dos Peixinhos (é esse o nome de um outro centro comecial de lá). Foi ali que tomei um suco de laranja na loja de um chinês. Ou o suco já estava pronto ou o china deveria entrar pro livro dos recordes como espremedor de laranja mais rápido do Oeste. Ou melhor, da Zona Norte. Todo sorrisos, ele garantiu que fez na hora, mas acho que já foi contaminado pela malandragem carioca.

Menina olha um peixe/Foto: Marcelo Migliaccio


Opções de comida não faltam. Tem até uma pizzaria a céu aberto. Barata, diga-se de passagem, pena que não provei pra contar se é boa.

Comércio de rua em Madureira (RJ)/Foto: Marcelo Migliaccio

Dentro do Mercadão tem de tudo para fazer um despacho vestido com pompa. Em frente as uma das lojas, uma mulher dizia à outra:

_ ... Ela ganha salário mínimo, como vai gastar cem reais pra fazer macumba contra mim?

Loja de umbanda em Madureira (RJ)/Foto: Marcelo Migliaccio


Há dois aviários dentro do Mercadão. Num deles, pela primeira vez, vi uma galinha do pescoço pelado, que só conhecia de nome... ela estava pensativa, talvez apreensiva quanto ao seu futuro.

Galinha do pescoço pelado em Madureira (RJ)/Foto: Marcelo Migliaccio


É possível comprar até filhotes de bode. Ouvi dizer que muitos acabam sacrificados em rituais, uma maldade. Cento e dez reais cada um. Vai?

Bodes à venda em Madureira (RJ)/Foto: Marcelo Migliaccio


Se um bode é demais, leve um filhote de hamster.

Hamsters à venda em Madureira (RJ)/Foto: Marcelo Migliaccio


Mas a fome apertou e Madureira não é um lugar onde se possa comer sem medo. Então foi melhor pegar o caminho da Zona Sul, onde uma intoxicação alimentar, pelo menos, custa caro. Antes de voltar, uma olhada na singela igrejinha no alto do morro São José.

Igreja no Morro São José, em Madureira (RJ)/Foto: Marcelo Migliaccio


Na volta, num trem velho e enferrujado (azar), um solitário passageiro lia a Bíblia.

Trem suburbano no Rio/Foto: Marcelo Migliaccio


Até outro dia, Madureira.

Comentários

  1. Marcelo, eu fiz esse caminho durante alguns anos da minha vida, quando trabalhava em Madureira, cada dia ia em um lado da janela do trem, contemplando as ruas e casas do nosso bom e velho subúrbio.

    Seus passeios são criativas e proveitosas para seus leitores.

    Uma sugestão:
    Vá a Niterói de barca e nos conte como foi seu passei à Cidade Sorriso.

    Cury

    ResponderExcluir
  2. Passa o endereço do cabeleireiro formado em Paris!

    ResponderExcluir
  3. Que tal um passeio no Domingo em Paqueta?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Quando eu era pequeno fui com meus pais a Paquetá, uma decepção, longe pacas e praias imundas. Acabamos no fim da tarde, mergulhando na Praia do Leme...

      Excluir
  4. http://eco4planet.com/blog/2012/08/israelense-cria-bicicleta-com-9-dolares-usando-papelao/

    ResponderExcluir
  5. Milton Nascimento em sua música Notícias do Brasil, já cantava que "a novidade é que o Brasil não é só litoral, é muito mais que qualquer Zona Sul...". Parece-me Marcelo, que você levou muito tempo para descobrir isso em relação ao Rio??? Por outro lado, lembro-me de já ter encontrado duas vezes com o grande Flávio Migliaccio, em um Fiat amarelo, se não estou enganado, uma vez na Universidade Rural do Rio quando eu trabalhava com criação de peixes e outra no próprio bairro de Madureira, em frente ao curso Martins onde estudei, quando ele me pediu uma informação e parecia meio perdido no subúrbio rsrsrs...

    ResponderExcluir
  6. Marcelo, seu texto é sempre bom, mas fiquei amarrado mesmo nas fotos, espero q quando no Rio possas me levar a Madureira.

    ResponderExcluir
  7. Bravo Marcelo...show esse texto...prá descrever o Rio vc é ótimo...parabéns...!!!

    Marcos Pinto -RJ ( de volta de Santarém - PA )

    ResponderExcluir
  8. Que tal fazer um passeio a Madureira, mas desta vez,ande mais um pouco, logo depois do mercadão. Tenho certeza que verá a degradação humana, adultos e crianças tornando-se "craques" em achar o caminho mais rápido para a morte,passe na frente da Serrinha(comunidade),somente assim verá que Madureira não tem tanta beleza quanto vc achou.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Para ver gente usando crack não preciso nem pegar o trem. Atrás da Central do Brasil há uma rua em que uma cracolândia funciona dia e noite. A polícia militar passa de carro e nada faz.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas