O pastel de vento mais caro da História

A propaganda do tal Museu do Amanhã é massificada na TV. A julgar pelo entusiasmo dos repórteres, em breve estará entre as sete maravilhas do mundo, desbancando talvez o Coliseu, que, como disse um ex-presidente do Corinthians, "é bonito mas tá precisando de uma boa reforma".

Um dia, se eu não tiver nada pior pra fazer, posso visitar o elefante branco da Praça Mauá. Pelo que vi nas reportagens, não há nada lá dentro que justifique encarar duas horas de sol na moleira numa fila infernal. Para entrar e ver o quê? Painéis luminosos dizendo que temos que preservar a natureza? Exortações à fraternidade mundial enquanto esperamos o próximo espancamento no canal Premiére Combate? Clamores por desenvolvimento sustentável na cidade dos hospitais fechados? Não, lamento informar que não estou curioso por ver instalações com pedaços de pano suspensos no ar por um jato de vento. Nem participar dos joguinhos interativos em que o visitante tem a chance de salvar o planeta se parar de jogar papel no chão. Se o objetivo é ensinar boas maneiras, deveriam internar lá os CEOs das multinacionais que esburacam a camada de ozônio e poluem rios, mares e o ar que respiramos.

Ah, tem também a história do planeta contada em oito minutos. Versão dos vencedores. Bancadas por grandes corporações, bancos e governos, iniciativas "do bem" como o Museu do Amanhã trazem a receita para salvar a Terra dada pelos que mais a esculhambam. Eis o grande conto do vigário: transferir para o cidadão a responsabilidade que é da engrenagem político-financeira vigente. O subtexto é façam o que eu digo, não o que eu faço.

Duvido que haja algo lá dentro que relacione explosão demográfica e a apologia ao sexo que se vê na mídia.

Esses brilhantes executivos, em geral, são visionários. Ciente de que seus pares aniquilaram nosso futuro com o empreendedorismo esquizofrênico e a proatividade doentia, um deles bolou esse museu, que, na verdade, é o atestado de óbito da Humanidade. Mostra didaticamente tudo que deveríamos ter feito enquanto ainda dava tempo. Disfarça a desfaçatez num clima permanente de falsa esperança, como se cada atração ali pudesse ser resumida num "boa noite" otimista do Jornal Nacional.

A construção metálica monstruosa parece resistente. Vai ficar em pé depois da hecatombe, quem sabe para que ETs a visitem sem pagar ingresso e vejam o mais completo painel da hipocrisia humana. Alguns dos maiores cientistas da Terra dizem que todas essas campanhas ecológicas para salvar o planeta não passam de jogadas de marketing. O importante no momento é evitar o pânico e varrer a desesperança para debaixo do tapete. A isso serve o Museu do Amanhã, a contradição em termos.

Cabe conjecturar sobre o que a época atual deixará para a posteridade. O que estará de fato nos museus do futuro, se houver. Computadores da Apple? Um pedaço de muro pichado? Cornetas de plástico? Vídeos de capítulos de novela? Que espécie de história estamos fazendo? Onde está nosso Lincoln, nosso Da Vinci, nosso Santos Dumont? Olho para os lados e vejo muito Jair Bolsonaro, muito Witzel, muito Dória...

Numa cidade que tem 12 museus de verdade abandonados, essa jogada promocional soa como uma piada de mau gosto. Muita tecnologia estéril e uma repetição infindável de mensagens politicamente corretas enviadas pelas raposas que tomam conta do galinheiro. A montanha de lixo que o público deixou no chão após o primeiro fim de semana de visitação atesta o quanto tudo ali é pilantragem.

O Museu do Amanhã é o pastel de vento mais caro da História. 


Foto: Conexão Jornalismo


Comentários

  1. Parabéns pela avaliação muito sensata Marcelo, a altura do que faria um grande ambientalista. Ressalta-se que algum grande visionário já tinha percebido que para salvar o Brasil, melhor do que jogar a bolinha de papel no chão seria jogar na cabeça do Serra.

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  2. Marcelo

    Achei interessante sua avaliação, tenho a impressão que existe um espaço para museu itinerante, aí o espaço poderá ganhar respeito. Abraços José

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  3. Aplausos! Seu comentário foi de uma precisão cirúrgica, oportuno e brilhante. Sendo uma iniciativa da Prefeitura do Rio e da Fundação Roberto Marinho, instituição ligada ao Grupo Globo, em parceria com o banco Santander...não se poderia esperar nada de melhor, afinal, figueiras continuam dando somente figos rs...e estão tentando tapar o sol com peneira, enganar trouxas e/ou incautos, cinicamente. Tipicamente atitude neoliberal.Como um dos maiores problemas do mundo, destaco sua tacada de mestre: "Duvido que haja algo lá dentro que relacione explosão demográfica e a apologia ao sexo que se vê na mídia"...ressaltando esta evidência solar: somente os pobres é que se multiplicam em progressão geométrica, potencializando a insustentável explosão demográfica e o desemprego. Não estou culpando-os pela ignorância, afinal, é uma das únicas coisas que sabem fazer:perpetuar e maximizar a pobreza, coitados.Tenho até compaixão.Mas que precisa de um freio nisto, é óbvio. Ricos têm, por todos os motivos lógicos, no máximo, dois filhos. Muitos nem os têm. Só não vê que está sobrando gente pobre no mundo os cínicos de plantão. Neste aspecto reprodutivo, os pobres precisam aprender ou copiar os ricos de todo o mundo.

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  4. Acompanho o Marcelo desde a sua excelente coluna no JB que também se chamava Rio Acima , seus textos sobre o cotidiano do Rio eram deliciosos , vc é o João do Rio atual rssss , me mudei para a amazônia ( Santarém- Pará , onde até hoje se vêem uns hippies perdidos rssss ) e de lá sempre acessava o seu blog , voltei ao Rio em 2012 e continuo entrando aqui para ler seus textos e discordar as vezes do seu petismo rssss, mas Marcelo , não me canso de dizer , quando o assunto não é PT , vc escreve muitíssimo bem , vida longa ao Rio Acima , menos nas edições pró PT rssss .

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  5. Você acerta mais uma vez quando diz que ninguém é perfeito, mas pode ter certeza que a absoluta maioria dos seus leitores o são, exatamente porque você não coaduna com as opiniões da grande mídia. Muitas vezes já disseram que a democracia é o pior de todos os sistemas, com exceção de todos os outros. E quando você defende a Dilma, o PT e resultado das eleições é exatamente isso que você está defendendo. Bem diferente destes playboys que agora resolveram atacar até o Chico Buarque, como se eles pudessem chegar aos pés do Chico politicamente, culturalmente, para não falar musicalmente. Portanto, entre defender a volta da ditadura ou estes bandidos direitistas travestidos de moralistas, continue defendendo a democracia, afinal, para quem não gostar, tem muitas opções como a Globo, Veja ou Folha...

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  6. Como é que o Witzel foi parar no Museu?

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