Perder e ganhar

Na Copa do Mundo de 1966, eu tinha 3 anos. Minha vida era uma sucessão interminável de mamadeiras, brincadeiras e choradeiras. Da de 70, uma das poucas coisas de que me lembro era de um locutor gritando:

_ Cabeça na bola Brito!

E também dos meus pais pulando pela casa em um dos gols do Brasil no tricampeonato. Minto. Lembro também de um cara na porta do meu prédio disparando um morteiro para o alto em meio à algazarra em que se transformou a rua Visconde de Pirajá após o jogo final. Nos anos seguintes, decorei todos os lances de tanto assistir aos vídeos na TV. Mas da Copa do México mesmo, quando aconteceu, só lembro desses  flashes mencionados.

Ah, lembro também que um dia no colégio, um garoto me perguntou quanto tinha sido Brasil x Inglaterra, na véspera. Sem graça por não saber, e com aquela ingenuidade comovente de criança, respondi a primeira coisa que me veio na cabeça:

_ Não sei, eu tava no banheiro.

Só muito tempo depois fui descobrir que uma partida demora uma hora e meia.

Em 1974 foi diferente. Já com 10 para 11 anos, eu sabia tudo, vi quase tudo na TV. Até Chile x Austráia eu tive saco para assistir. Reproduzia as jogadas com as miniaturas de jogadores, uma trave de futebol de botão e uma bola feita de miolo de pão. Quando o Brasil perdeu para o carrossel holandês, foi uma comoção no dia seguinte na escola. E nunca me esqueço da lição que a diretora nos deu:

_ Vamos saber perder como souberam as outras seleções que derrotamos quatro anos atrás.

Saber perder, a grande lição da vida. Ganhar é mais fácil, se bem que também tem gente que não sabe. Aquele que precisa tripudiar sobre o adversário, pois, mesmo vencedor, ainda se sente menor.

De 78 em diante, eu já não era mais criança. Aquele fascínio foi desaparecendo Copa após Copa. E o que era quase tudo na vida, hoje é um passatempo.

O mais importante, o futebol já havia me ensinado, pelas palavras sábias daquela diretora do Instituto Souza Leão, a Dona Marta.

_ Temos que aprender a perder.

Perdemos em 78, sem perder nenhum jogo, voltamos da Argentina nos autoproclamando "campeões morais" (o campeão imoral foi o Peru, que abriu as pernas para a seleção dona da casa). Perdemos em 82, de novo os melhores, mas com Paolo Rossi no caminho. Perdemos em 86, e morri de pena do Zico, que perdeu um pênalti contra a França. Perdemos em 90, com um técnico limítrofe que escalou Romário mancando por causa de uma fratura no pé sofrida três meses antes da Copa.

Mas ganhamos em 94, com o mesmo Romário em estado de graça e praticamente obrigando o técnico teimoso Parreira a convocá-lo. E com o genial Dunga, o patinho feio do time que se converteu no principal responsável por aquele título.

Perdemos de novo em 98, ganhamos em 2002, a vida é um perde ganha danado. E o futebol é a mais perfeita metáfora da vida. Como dizia o "seu" Miranda, meu avô por afeição:

_ Não ligue para uma derrota no futebol. É assim mesmo: perde hoje, ganha amanhã.

Obrigado, "seu" Miranda, obrigado, Dona Marta. Obrigado, futebol.

Comentários

  1. Na política é bastante diferente: A maioria dos políticos não sabe perder e preferem tentar transformar o país em um caos, dizendo que tudo não presta, desde que isso seja a única possibilidade de ganhar a eleição. Felizmente começamos a ver a população entrando no clima da copa, as delegações chegando sem maiores problemas e declarações sarcásticas do americano Lalas dizendo que esperava problemas e não entende como tudo correu tão bem em sua chegada, ou mesmo do Iniesta afirmando que comparado à Espanha o Brasil não tem muito do que reclamar, começam a indicar que a Copa pode ser um sucesso e colocar por terra a única esperança da oposição que é fomentar o complexo de vira-latas.

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  2. Texto maravilha. Sobre aos sete anos passar 90 minutos no banheiro, é realmente trabalhoso justificar. Se fosse aos doze, treze, vá lá, dava pra tentar...Ótima memória e senso de justiça, principalmente em relação a Dunga, que até hoje, muitos insistem em chamar de perna de pau, esquecendo-se da perfeição da marcação em 94, esquecendo-se de longos belos lançamentos a la Gérson, sem falar na liderança, seriedade e raça.

    Na de 78 eu tinha 8 e lembro basicamente de dois momentos. A cabeçada de Zico pro barbante aos 45, após cobrança de escanteio, quando nos garfaram alegando apito final durante a trajetória da bola pra área na cobrança do corner...acho contra Suécia, se não me engano. Outro momento, o momento Zagalo de minha vó: não lembro se exatamente nesta mesma partida, após empate, vovó abriu garrafa de refrigerante guaraná e anunciou: _Vamos comemorar. _Ué, vó?! Nós não ganhamos, comemorar o quê? _Mas também não perdemos.
    Hoje sempre associo esse lance à fama de retranqueiro do velho Lobo.

    Depois desta, a partir de 79 com a nova seleção brasileira, vi surgir uma das grandes maravilhas do planeta: a seleção de 82, com onze gênios fazendo apologia ao conjunto, ao cooperativismo sem líderes. Por isto, também, além da ciência dos despejos, etc, não consigo mais torcer: acho time que depende de um herói, de um salvador da pátria, passa uma mensagem política subliminar ruim. Além de não conseguir ser simples e brilhante. drum

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  3. O pior é que o outro moleque acreditou... e gostei da vovó Zagalo

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  4. Vivi uma mini epifania quando a 7 anos anunciaram que a Copa de 2014 seria aqui, até planejei férias em junho/julho para ver os jogos, mas no decorrer desses 7 anos mudei radicalmente de ideia, e nas ruas o sentimento é o mesmo,
    O que será que mudou no pais do futebol, nós brasileiros ou o próprio futebol ??,
    Os campos de várzea não resistiram a especulação imobiliária, os jogadores que antes eram heróis só querem ostentar suas riquezas e os estádios estão mais cada vez mais distantes dos torcedores pelos preços e pelos horários dos jogos !!
    E eu que todos os finais de semana levava meu filho para passear, jamais esquecia a bola para aumentar a diversão,
    Cury

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  5. Os comentários ( mesmo os de opinião contrária) são o complemento desse blog. Eu os leio à todos.
    Na foto acima a gaivota parece observar a rua.

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