A outra Venezuela

Eis uma amostra de como a mídia internacional, inclusive aquela que os monopólios da informação nos obrigam a aturar no Brasil, distorcem as notícias sobre a situação na Venezuela. A entrevista com a historiadora Anita Prestes, que esteve lá, foi publicada no jornal Brasil de Fato.




Por Vivian Virissimodo
Do Rio de Janeiro (RJ)
O Golpe foi derrotado. Essa é a avaliação da historiadora Anita Prestes, filha dos militantes comunistas Olga Benário e Luiz Carlos Prestes. Ela esteve na Venezuela nas últimas semanas para participar da Feira do Livro de Caracas. Lá, ela falou sobre a atualidade da Coluna Prestes, presenciou manifestações e conheceu o funcionamento das comunas.
Brasil de Fato – Em linhas gerais, como você avalia a situação política da Venezuela?
Anita Prestes – O golpe foi derrotado. Isso o próprio vice-presidente da República declarou enquanto eu estava lá. Agora se tem resquícios, como se diz. Uma das coisas que eu acho importante destacar é que diferentemente do que a imprensa mundial, numa campanha de desestabilização do governo, tem dito, não é o povo que está nas ruas protestando. Mas o que há são grupos provocadores, organizados, fascistas, treinados no exterior, muitos mercenários da América Central e paramilitares da Colômbia. Tudo começou no estado de Táchira, que fica na fronteira com a Colômbia, uma região de narcotráfico e dos paramilitares colombianos. Nesse estado, que é governado por um político de oposição, foi aí que aconteceram esses focos de violência contra o povo. A provocação é armada e mata gente.
Desde que começaram os protestos, 39 pessoas morreram...
A grande maioria dessas pessoas foram assassinadas por estes grupos fascistas e paramilitares. Aconteceu um caso ou outro de excesso das forças militares bolivarianas, que já estão sendo punidos. Esses grupos, que são ligados a setores da oposição, pretendiam criar um clima de instabilidade. O serviço de contrainf ormaçãodetectou que no dia 11 de fevereiro, dia que antecedeu o primeiro protesto, que foi promovida uma reunião na casa de Leopoldo Lopez. Nesse dia, eles afirmaram que queriam incendiar a Venezuela. Nesses termos. A ideia era criar um clima de caos no país para justificar o golpe. Eles queriam que a violência fosse respondida com violência. E o discurso do governo é de paz, de diálogo. Inclusive o presidente Nicolás Maduro tem convocado diferentes setores para dialogar. O que se vê é que agora, alguns prefeitos da oposição estão se pronunciando a favor do diálogo e contra a violência. A gente sente que o golpe se dissolveu e perdeu prestígio. O golpe foi desmascarado perante a população.
Como tem sido o apoio popular ao governo Maduro?
Nos cinco dias em que estive na Venezuela cruzei com duas manifestações enormes. Os trabalhadores com faixas de sindicato de diferentes setores. As pessoas estavam tranquilas e com muita serenidade e o povo que não estava na manifestação, via as marchas com simpatia.
As duas manifestações em defesa do governo marchavam em direção ao palácio Miraflores para prestar apoio ao Maduro. As palavras de ordem eram “Viva Maduro”, muitas empunhavam fotos de Hugo Chávez e de Simon Bolívar. Deu para perceber que o resgate da história revolucionária dos povos latino-americanos continua sendo uma preocupação na Venezuela. Em primeiro lugar, os heróis do país, mas também de toda a América Latina, inclusive Luiz Carlos Prestes. Além da manifestação dos sindicatos, também aconteceu um ato em apoio à milícia bolivariana. Aí você percebe que o povo está muito articulado com o Exército e com as milícias. Claro que não é tudo cor-de- -rosa: outro dia três generais foram presos, por exemplo.
Já que o golpe foi derrotado, dá para dizer que Maduro está saindo fortalecido?
Eu acredito que sim. Ele está aprendendo a governar, tudo isso é novidade para ele. O discurso de populares tem sido: “efetivamente Maduro não é Chávez. Chávez foi único. Mas Maduro tem se saído muito bem e avançado e nós temos que apoiar Maduro”.
E como a revolução bolivariana sai desse processo?
Fica claro que os golpistas não têm vez. Pelo menos não nesse momento. Não podemos afirmar que esse cenário está consolidado porque a Venezuela está dividida. O panorama é que tanto burguesia quanto a classe média alta não querem perder seus privilégio. Antes a renda do petróleo era repartida entre os ricos, agora a renda é aplicada para melhorar as condições de vida do povo. Lá, fiquei sabendo de dados interessantíssimos que comprovam essas melhorias: 96,6% da população venezuelana faz três refeições por dia. Toda criança tem garantido um litro de leite por dia. Outro momento da viagem que me marcou foi a visita à maior comuna de Caracas, a Comuna 23 de janeiro.
Como funcionam essas comunas?
Idealizadas por Chávez, as comunas têm a função de desestruturar a estrutura do Estado, que é um Estado burguês. Esse Estado, com sua burocracia, sabotava e sabota as medidas revolucionárias colocadas em prática por Chávez. Para romper com isso, o que Chávez fez? Ele imaginou, em primeiro lugar, as missões, que são estruturas paralelas ao Estado, para resolver os problemas antigos que não são solucionados pelo Estado. Foram colocadas em prática Missões de Saúde, Missões de Educação, Missões de Moradia. Ao mesmo tempo, ele criou condições para instituir o que ele chama de Estado Comunal, isto é, a organização de todo o povo em comunas. Isso é algo que ainda não aconteceu em toda a Venezuela, mas caminha nessa direção. Por exemplo, essa comuna que eu visitei tem 300 mil habitantes. Dentro das comunas, os conselhos comunais fazem a organização dia a dia. A ideia do Chávez – não se vai dar certo –, mas é que esse Estado comunal vá substituindo, pouco a pouco, o Estado burguês. A Comuna 23 de janeiro tem tradição de luta, lá estive em uma Delegacia de Polícia que foi transformada em Centro de Cultura, onde funciona uma rádio comunal.
E como está estabelecida a democracia da mídia na Venezuela?
Em Caracas, tem umas três televisões governistas e umas dez ou 15 criticando Maduro com uma campanha violenta contra o governo. As bancas são cheias de jornais e a maioria é contra Maduro. Dizer que não tem democracia na mídia na Venezuela é uma mentira. Mas o fato é que a condição de vida dos trabalhadores melhorou de tal maneira que não tem campanha da mídia que consiga destruir isso. O amor que o povo tem por Chávez é algo impressionante. As pessoas sentiram que pela primeira vez um governante se preocupou com eles.
Por que aconteceu essa crise de desabastecimento?
Este é um grande problema da Venezuela, que não veio de agora, é anterior ao governo de Chávez. Na medida em que o petróleo é abundante, consolidou-se uma “mentalidade petroleira” no país. O que é isso? O pensamento é o seguinte: como há muito petróleo, então não é necessária a produção de alimentos pois é possível importar absolutamente tudo. Resultado? Atualmente, 80% do abastecimento alimentar é importado e apenas 20% é produzido no país. Mesmo com medidas tomadas por Chávez para estimular a autonomia alimentar, a produção básica de alimentos no país, isso tem se mostrado muito difícil. Para transformar essa realidade, companheiros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) têm atuado em missões para ensinar agricultura e estimular o plantio no país. Além disso, temos outro detalhe importante para explicar o desabastecimento: com a redistribuição de renda, aumentou o consumo dos venezuelanos nos últimos anos.
Como você tem avaliado a atuação da Unasul nesse contexto?
Fundamental. Uma das coisas mais importantes que nós brasileiros podemos fazer é a solidariedade. Tanto a Unasul quanto a Celac, Alba e Mercosul têm desempenhado um papel muito grande. O governo brasileiro de uma maneira geral tem tido uma boa posição.
Três chancelares, um de cada país, do Brasil, da Colômbia e do Equador formaram uma comissão que vai acompanhar atentamente a situação na Venezuela e isso é muito positivo.

Comentários

  1. Olá, Marcelo!

    Como vai?
    Como sempre você brilha com sua atilada percepção do mundo.
    Vivemos um período de resistência, não só ao fascismo, como à estupidez que o acompanha. E você me incentiva sempre.

    Um abraço fraterno,

    Wanda Rodrigues

    PS. mais uma vez convido você, e seus familiares, a visitarem BH no outono. Os dias são deslumbrantes.

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  2. Eu já era admirador de Hugo Chaves, mas depois que assisti a entrevista dele no programa Roda Viva (TV Cultura) virei fã incondicional.
    Por falar em entrevista, a Band fez uma entrevista muito boa com José Mujica (Uruguai) e o Emir Sader também o entrevistou (link da entrevista: http://www.youtube.com/watch?v=wUDJxX8xtO8), vale a pena assitir.

    Cury

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  3. Na primeira resposta vejo a coerencia entre extremos ao apresentar "culpados". Muito oportuno culpar grupos opostos pelo caos, se bem que isso nao eh novidade. Varios governos ou ditaduras (de direita ou de esquerda) usaram/usam isso como a razao de tudo de ruim que ocorre bem como justificativa para uma reacao. Claro, esses grupos, alem da tentativa de desestabilizacao tambem sao os responsaveis pelos assassinatos de pessoas que protestam contra o governo assim como pela crise que um pais enfrenta. Muito facil e conveniente culpar outros no lugar de reconhecer erros e fazer algo para melhorar… Uma grande logica! Interessante tambem ver que a filha de Prestes, sempre que fala da oposicao, trata-os por golpistas. Novamente, muito oportuno! Fica tambem a observacao sobre a frase dela: “O golpe foi desmascarado perante a populacao”. Foi desmascarado mas os protestos continuam… Essa parte da populacao que segue protestando ainda nao caiu na real?? Pelo menos, mais adiante, ela reconhece que a “Venezuela esta dividida”. Nessa mesma resposta ela diz que ficou “sabendo de dados interessantissimos que comprovam essas melhorias: 96.6% da populacao faz tres refeicoes por dia”. Isso, mesmo com essa falta geral de produtos basicos! Que coisa!! Parece ate o milagre da multiplicacao… Alias, sobre a falta de produtos, muito interessante a opiniao dela sobre a “mentalidade petroleira”. Considerando que Chavez governou de 1999 a 2013, ele teve “apenas” 14 anos para tentar aumentar a producao de alimentos mas, pelo visto, nao conseguiu, assim como nao deve ter (tambem) conseguido eliminar a tal “mentalidade petroleira” tao pouco conseguiu usar o dinheiro do petroleo para corrigir a falta de alimentos, ja que, segundo ela, em parte eh causada pela redistribuicao de renda, que aumentou o consume dos venezuelanos… Quem sabe, o povo eh o grande vilao pela falta de papel higienico no Mercado?

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  4. Marcelo, parabéns pelo dia do jornalista, profissionais do seu naipe engrandecem os meios de comunicações de um pais.
    Cury

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  5. Senhores jornalistas, parabéns pelo dia 7 de abril.

    FRASES: "A sociedade é maior do que o mercado. O leitor não é consumidor, mas cidadão. Jornalismo é serviço público, não espetáculo." (Alberto Dines). “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.” (Voltaire). "O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter." (Cláudio Abramo).

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  6. Muito bem lembrado pelo Cury a entrevista do Mujica. E ele falou também da Venezuela lembrando que lá as forças armadas estão a favor do governo e nesse caso quem quer o poder deve conquista- pelo voto. Lá como cá muita gente fica com raiva ao menor sinal de empoderamento dos menos favorecidos. São aqueles que dizem que o aeroporto está parecendo rodoviária ou como o piloto da Avianca que xingou todos os nordestinos porque seu prato veio trocado em um restaurante no nordeste. Lá como cá a mídia faz uma campnha sórdida contra o governo, mas os pontos tomados de Dilma não vão para nenhum outro, pois, tá na cara que eles seriam piores no governo. Enfim estas informações são fundamentais para conhecermos o outro lado da história.

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  7. Fala, Marcelão! Saiu esse texto no blog do Juca Kfouri sobre a concessão do Mineirão: http://blogdojuca.uol.com.br/2014/04/o-negociao-do-mineirao/ Isso ninguém fala. Mas se fosse por um estado governado pelo PT, já estaria no Jornal que se diz Imparcial. A Dilma pelo jeito vai levar porrada até Outubro!!!

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  8. Escrevi há poucos dias passados, comentário em texto seu anterior, onde digo que verdadeiros socialistas são espécies em extinção.
    Podem haver siglas, partidos que se autoproclamam socialistas, esquerdistas, mas o fato é que, na verdade, usam essa sigla apenas como apelo marqueteiro, para posarem de gente boa e assim conquistarem inocentes corações e mentes bem intencionados. Essa gente é toda colaboracionista para desmoralizar, queimar o filme, destruir o socialismo. São cachorros infiltrados. Agentes inimigos do socialismo e como ninguém trabalha de graça, são muito bem remunerados.
    Esse é o plano neoliberal desde o final da Segunda Guerra Mundial. Escrevi sobre isso no comentário passado a qual me reporto. Portanto, essas sabotagens que a América Latina vem sofrendo, sobretudo os governos e esquerda, a verdadeira, que almejam uma menor dependência, principalmente dos EUA e seu modelo de império dominador. Mas não se iludam, pois mesmo dentro dessas siglas socialistas, por mais bem intencionados que algum membros sejam, perduram os infiltrados para sabotarem. E o problema é esse, todos vestem a mesma sigla, bandeira e camisa e quando se vai diferenciar, um escândalo desmoralizador já está formado, dando pano para a oposição entreguista e neoliberal aparecer como sigla, bandeira de salvação.
    A culpa disso é o rumo que os partidos políticos tomaram, Digo isso principalmente em relação ao Brasil.
    Viraram balcões de negócios, balcões privados de interesses e vaidades, preferindo fazer alianças com canalhas para manter a governabilidade ao invés de se manterem em seus rumos originais e ainda que não mantivessem a governabilidade, mesmo estando no poder, poderiam manter o debate, levar a discussão à público e ainda que sua governabilidade fosse derrotada, levar ao público essa consciência e motivo da derrota.
    Isso seria melhor do que lotear setores do governo a canalhas, cachorros infiltrados, plantadores de crises, que mesmo sendo pivôs e se queimando, estão sendo muito bem remunerados pelo outro lado, justamente para fazerem isso e respingarem e cagarem de lama a sigla socialista e os poucos verdadeiros socialistas. Fazer esse tipo de aliança é se autocastrar, se transformar num eunuco.
    Foram fazer Copa do Mundo de Futebol, Olimpíadas. Para quê? Por vaidade? Para agradar aos cachorros aliados?
    Pois bem, estamos às vésperas da Copa e uma porrada de obras estão atrasadas, não vão ficar prontas, mas o superfaturamento dos preços, duplicou, triplicou em relação ao projeto original e adivinha quem vai ficar com a cara para tomar essa porrada e ser chamado de incompetente e corrupto? É a sigla da oposição? Não, é a sigla de esquerda, socialista.
    Chego a me perguntar, será que essa sigla de esquerda que está no poder é verdadeiramente de esquerda?
    Podem ser só outros oportunistas querendo tirar onda tamanha estratégia bisonha de governo. Ou serão socialistas utópicos que acreditam que todos que estão ao seu lado e vestem a mesma camisa são amigos, companheiros, gente boa?
    Essa gente deveria estudar mais sobre a sordidez humana.
    Felicidades e boas energias.

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    1. Brilhante , sr. Amorim,e mais real, tá difícil.

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  9. falta até papel higienico lá na Venezuela kkkkk

    Marcos Pinto - RJ

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    1. Estão melhor do que nós, porque aqui ainda falta vaso sanitário. Oitenta por cento da população do Maranhão, por exemplo, não tem rede de esgoto.

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  10. Na Venezuela o que não falta é eleição. Por mais que as dificuldades de um povo possam ser motivo de deboches para alguns, o caminho mais simples e correto ainda é o voto.

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