O meu Maracanã

Nasci pela segunda vez no dia 14 de abril de 1974. Apesar de haver recém-completado 10 anos de idade, foi na tarde ensolarada daquele dia de outono, com céu azul e brisa fresca, que conheci o estádio Mário Filho, o gigante do Maracanã, onde quero que minhas cinzas sejam jogadas quando trilar para mim o apito final desta longa e emocionante partida para qual fomos escalados e que não terá revanche, a não ser para os que acreditam em reencarnação.

Jamais esquecerei o momento em que, ao lado do meu pai, vi o campo de jogo pela primeira vez. Nunca sairá da minha mente a imagem do atacante Jairzinho, camisa amarela da seleção e calção azul bem claro, dando entrevista a um repórter de campo. Foi a primeira coisa que avistei naquele imenso gramado verde. A TV em cores ainda era coisa rara no Brasil e, para mim, a grama era cinza como mostravam os videotapes em baixíssima definição com que tínhamos que nos contentar na época. Futebol colorido, só ao vivo, nas fotos estáticas das revistas ou nos parcos e emocionantes três minutos do Canal 100, um noticiário que era exibido nos cinemas antes dos filmes de longa-metragem.

Do jogo, entre Brasil e Bulgária, lembro pouco. Para ser sincero, lembro apenas daquela primeira imagem do Jairzinho e do gol que ele mesmo fez, aos 43 minutos do segundo tempo, dando a vitória ao Brasil naquele amistoso preparatório para a Copa do Mundo que começaria dentro de dois meses na Alemanha Ocidental. Depois, muitos anos depois, pesquisando na internet, eu soube que entre aquelas 72.545 pessoas que pagaram ingresso para a partida, pelo menos uma estava ali pela primeira vez. Eu.

Para mim, foi um êxtase, pois havia tempos eu sonhava em assistir a um jogo no Maracanã. Na escola, meus colegas contavam suas idas ao estádio e eu tinha que inventar as minhas, tamanha era a frustração por nunca ter tido aquela experiência. Meu pai, ao contrário dos pais de muitos deles, não era um fanático por futebol. Gostava, via na TV, já tinha ido muito aos campos na juventude, mas àquela altura, andava fugindo de tumulto.

Mas, percebendo a minha crescente paixão pelo futebol, meu pai encarou o desafio. Sem ligar para engarrafamento e cambista, me levaria ainda a muitos outros jogos nos dois anos seguintes, até que eu conquistasse autonomia para ir _ primeiro acompanhado de colegas mais velhos _ da Urca, na Zona Sul do Rio, ao bairro da Zona Norte que acabou emprestando seu nome para sempre ao maior estádio de futebol que o mundo já conheceu, o Maracanã. Só tive a dimensão exata do quanto meu pai se sacrificou por mim naqueles tempos quando, depois que passei ir sozinho ou com amigos aos jogos, ele nunca mais se aventurou. Ia só por minha causa mesmo, algo que vou guardar no coração para sempre como um grande presente que ganhei dele.

Sentado nas antigas cadeiras azuis, que ficavam abaixo das grandes arquibancadas, eu não tinha olhos suficientes para tudo que queria ver. Sabia que aquela tarde pasaria voando e os 90 minutos, mais rápidos ainda. Olhava para todos os lados, buscava cada detalhe, reparava na cor da pele dos jogadores búlgaros, quase tão brancos quanto os uniformes que usavam. O cabelos black power de Jairzinho e Paulo Cesar Caju, a juba loura esvoaçante do Marinho Chagas, até o bigode do Rivelino, eu vi tão perto como nunca. Comi cachorro quente, dei gargalhadas com as figuras populares que ficavam ali à frente das cadeiras, na chamada geral, a parte da platéia onde o ingresso era mais barato, pois todos assistiam ao jogo inteiro em pé e, pasmem, num nível mais baixo que o campo de jogo, o que lhes obrigava a passar toda a partida na ponta dos pés e esticando seus pescoços. Para piorar, os geraldinos eram alvos constantes de objetos atirados da arquibancada, que iam desde bolinhas de papel a sacos cheios de urina.

O Maracanã era o microcosmos de um país que eu não conhecia, pois passara a maior parte da minha vida até então dentro de salas de aula ou em casa, vendo desenhos e seriados na televisão. Ali estavam ricos e pobres, artistas e militares, atletas e sedentários, homens e mulheres, todos unidos pelo magnetismo do esporte mais emocionante e popular do planeta. E eu, enfim, também estava lá! Pela primeira vez no templo em que viveria algumas das maiores emoções desta vida que se aproxima de completar meio século e que um dia, sem aviso prévio do treinador, será interrompida pelo juiz reserva na beira do campo, a mostrar uma placa com o número da minha camisa.

Hoje, aquele Maracanã não existe mais. Foi praticamente demolido para que surja outro estádio, dizem, mais moderno, na próxima Copa do Mundo. O charme, o encanto e as histórias do velho Maracanã, porém, viverão para sempre dentro de mim e de tantos outros.


Assim era o Maracanã quando veio ao mundo: arquibancadas em cima, cadeiras azuis mais abaixo e a geral, em volta do campo, para os que tinham menos dinheiro



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Comentários

  1. O Maracanã que vc já viu e que eu já vi, não existe há muito tempo... Vi um Maracanã lotado, na final da Libertadores, onde nosso Fluminense perdeu, com meu irmão e meu pai. Comentei com meu pai que nunca tinha visto o Maracanã daquele jeito e ele, muito saudoso, disse que a maior alegria futebolística dele foi já ter visto o Maracanã com mais de 150 mil pessoas. Meu pai tem saudades desse tempo e eu tenho saudades do tempo em que nosso Fluminense jogava com garra de campeão...

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  2. A primeira vez que fui ao Rio não deixei de conhecer o Maraca.Foi em 55 e nem me lembro mais quem jogou. Só me lembro da saída do estadio quando descendo a rampa vi diversos bondes parados na frente. Quando eu vi um deles com a placa Catete, embarquei, mas o fato é que ele foi para o outro extremo - Engenho de Dentro e do ponto final tive que voltar com ele até o centro, onde cheguei de madrugada. Mas valeu a experiencia. A 2ª vez estive no Maraca 20 anos mais tarde na despedida do Pelé da Seleção com 200.000 pessoas no estadio. Coisa de louco!

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  3. Bom dia,Marcelo.Sou seu companheiro de geração-também nasci em 63(Novembro)-e entendo o que quer dizer quando se refere à nostalgia de um Maracanã que se foi mas que ficará para sempre tatuado em nossos corações.Da inesquecível conquista do bi estadual do seu Fluminense em 76(1x0 sobre o Vasco da Gama,com um epifãnico gol de cabeça do saudoso Narciso Doval)à saga do primeiro brasileiro alcançado pelo meu Flamengo,que culminou com um antológico gol de Nunes,tenho,assim como você,recordações pungentes que transmito emocionado aos meus filhos...
    Um abraço do seu seguidor Cesar.

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  4. A primeira vez que ouvi o nome Estádio do Maracanã foi em 1950. Eu passava féria no Rio e estava de luto pela morte de minha mãe. Luto era brabo, pois alem da dor da perda, fantasiavam a garota toda de preto a fim de que todos a olhassem com olhos piedosos. Eu nunca tinha me ligado em futebol e nem sabia que havia uma Copa do Mundo ali bem pertinho de onde eu estava hospedada. No final da tarde vi meus primos e irmãos chegarem do jogo com os olhos vermelhos. Me liguei no papo que rolava e descobri que o Brasil tinha perdido o título na última partida para eleger o Campeão do Mundo. Dai pra frente eu aprendi que não se chora só pela perda de uma vida, mas tambem (incrivel) pela perda de uma partida de futebol!

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  5. Mauro Pires de Amorim.
    Penso que a maioria de nós nasce mesmo aos 10 anos de idade, época em que, embora sejamos crianças, começamos a adquirir alguma consciência do mundo que nos rodeia.
    Felicidades e boas energias.

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  6. Pois é meu caro Marcelo, a desmando político e a ganância dos empreiteiros sepultaram o nosso querido Maraca. Ainda bem que eles não podem corromper as nossas almas nem comprar as nossas memórias. As glórias do "falecido" estádio, o grande Maracanã estão guardadas no fundo de nossas existências.

    forte abraço do leitor,

    C@urosa

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  7. Luis Alberto Gomes da Silva26 de julho de 2011 às 00:34

    Gostaria de saber o que diria Nelson Rodrigues, ao ver a total descaracterização do Estádio que leva o nome de seu pai, Mário Filho.

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