O fantasma do moleton punk


O primeiro que assustei hoje foi um comissário de bordo da Gol. Ele saía do prédio vizinho ao meu, sonolento, às cinco horas dessa madrugada ainda escura de inverno.

Ao se deparar comigo me esticando no muro vizinho, o comissário (ou seria piloto?) engoliu em seco. Decidi cumprimentá-lo com um efusivo "bom dia" para ver se evitava seu ataque cardíaco iminente, mas nem isso adiantou. Bem, a verdade é que não sou muito bom em cumprimentos efusivos...

_ Bom dia! _ tentei caprichar.

Não teve jeito, o homem uniformizado com sua malinha de rodinha sequer conseguiu responder. Achou que sua hora tinha chegado e que o avião partiria sem ele. Acelerou sem olhar para trás.

Matutando sobre a insegurança em que vivemos, saí em meu passeio de bicicleta, envergando o assustador moleton punk comprado numa dessas lojas de departamento que, de 20 em 20 anos, apresentam alguma peça de roupa que vale a pena. Esse moleton foi um achado. Todo mundo pensa que tomei de algum velho punk londrino, mas comprei aqui no Rio Sul mesmo...

Sentindo o frio dos 16 graus, tive que colocar o capuz por baixo do boné, o que me deu uma aparência ainda mais ameaçadora. Pelas ruas desertas e escuras, saí a ouvir o canto dos primeiros passarinhos do dia e o motor dos primeiros ôniubus a deixarem as garagens.

O segundo cara que tremeu de medo por minha causa foi um típico pit boy (quem diria?). Ele deixava um boteco que cerrava as portas na Avenida Princesa Isabel com destino a outro ainda a todo vapor na Prado Júnior. Saí do túnel voado e colei atrás do cara. Vi seus olhos desconfiados rodarem até a nuca para me examinar.

O cara era fortinho, mas pude ouvir seu coração embriagado a palpitar. Vestindo bermuda até o joelho, tênis sem meia e camiseta de manga curta exibindo a malhação e as bombas, ele ficou tão apreensivo que tive que mudar de rota para não terminar o dia de hoje afogado em sentimentos de culpa ou com um olho roxo.

Ainda dei muitas pedaladas pela Atlântica até me deparar com a minha terceira vítima, uma mulher de uns 60 anos que fumava diante de um prédio na Rua Santa Clara. Ao primeiro olhar meu, ela soltou um dedicido "bom dia", diferente daquele que dispensei ao aeroviário assustado. O cumprimento dela foi forte, quase autoritário. Tão intimidatório que pude perceber o medo por trás dele.

Respondi também com disposição, afinal já havia ensaiado pouco antes, e ainda dei um tchauzinho para descontrair ainda mais o escuro e frio ambiente. Continuei subindo a Santa Clara sentindo os olhos da mulher pregados nas minhas costas.

Lá em cima, dei a volta e desci a Figueiredo de Magalhães deserta a toda velocidade. Isso é que é viver! Levanto cedo, muito cedo, exatamente para isso: ter a cidade do Rio vazia à minha disposição!

De volta à orla, pedalo pela pista ainda deserta com a alvorada começando a se desenhar no céu. O negro da noite vai azulando no horizonte quando passo diante de um quiosque todo apagado onde uma mulher loura toda emperequetada, de uns 70 anos, se exercita na penumbra. Paro para fotografar o Pão de Açúcar recém-iluminado e percebo que a dona está a dirigir-me impropérios que a distância não deixa ouvir. Deviam ser coisas como as que a ex-namorada do jogador Adriano disse ao Cumpadre Washington na primeira festa alcoóloca de A Fazenda 4, programa da Record que levará o prêmio de maior festival de baixarias da história da TV brasileira.

Fingi que os xingamentos dela não eram comigo. Poderiam ser para um dos gatos pingados que já começavam a correr e a caminhar pelo calçadão. Mas era comigo mesmo e resolvi dar o fora, porque a mulher tinha pinta de maluca. Ao mesmo tempo em que me olhava de cara feia, ela fingia cumprimentar alguém do outro lado das pistas, como a me dizer que não estava sozinha. Tive pena dela. Mais uma apavorada na madrugada.

Disposto a não assustar mais ninguém, tirei o capuz, afinal já estava com o corpo quente, e continuei a fotografar o lindo amanhecer que o inverno carioca deu hoje aos cidadãos desta maravilha dos trópicos. Fiz um pouco de ginástica e voltei para casa, ainda antes de o sol despontar no horizonte da Praia de Copacabana, com duas certezas: o Rio é fantástico e os cariocas andam cada vez mais assustados.

Comentários

  1. Ai que susto você me deu,Marcelo!

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  2. hehehe, é o custo de se ser saudável e urbano.

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  3. Fantastico! Fiquei imaginando... rs!
    Aline Cleo Rodrigues

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  4. Muito legal texto e fotos, mas...Cadê Rio Acima no JB? André Angelotti

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  5. Depois que comecei usar o computador, nunca mais acordei cedo.vc deve acordar 4.45 da manhã.E provavelmente dorme no máximo 22h. To treinando para voltar a acordar cedo.

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  6. Mecanismos de busca / portais de notícias:
    Já procurou por "tweeter + Ricardo + Teixeira" Nos principais portais da grande rede?
    Faz a pesquisa aê e comenta, por favor...

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  7. Tô gostando de ver teu blog marcelo. É diferente e realista êsse cotidiano. Faz nossa alma voltar ao passado, nostalgias gostosas, enfim, vou continuar a ler. Parabéns pela criatividade.
    abços.
    jsvictor1@gmail.com

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  8. E a fotinho pra gente se assustar? Na, verdade só queria mesmo é ver o tal moleton "que parece londrino"...

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