Chamei e a árvore entrou pela minha janela

Foto: Marcelo Migliaccio



Hoje, nada de guerra. Melhor falar de vida. De uma impressionante demonstração de amor que recebi de uma árvore. Isso mesmo, de uma árvore que fica em frente à minha casa e que, de tão amada que é por mim, está entrando pela minha janela para que eu possa acariciá-la. Não, não tomei chá de cogumelo nem LSD.

Na rua em que eu moro há várias árvores da mesma espécie, todas antigas e altas. Num belo dia, comecei a reparar naquela que fica em frente. É incrível como não reparamos nas coisas mais lindas à nossa volta. Só temos olhos para canos de descarga, mendigos, buracos; só ouvimos buzinas, maledicências, tiros. Estamos cegos para as flores, o sol, a lua e as estrelas; surdos para o canto dos pássaros, para as lições de vida que nos pode dar qualquer criança.

Sem mais nem menos, comecei a prestar atenção naquela árvore, nos tons das folhas, no tronco maciço, no balançar dos galhos, no seu brilho sob o sol e na sua alegria muda ao se reavivar com a chuva. Um dia, tomei coragem e passei a elogia-la, dizer-lhe o quanto me faz bem e como gosto dela.

Aqui, é preciso abrir um parêntese. Há alguns anos, uma amiga me deu um livro chamado A profecia celestina. Não tive saco para chegar ao final, confesso, mas uma experiência relatada nele me impressionou muito. Aconteceu numa universidade holística, no Peru – em Lima, se não me engano. Fizeram o seguinte: pegaram um determinado número de sementes da mesma espécie, do mesmo tamanho, mesma safra. Construíram duas estufas exatamente iguais e independentes e plantaram metade dos grãozinhos em cada uma delas. Um dos espaços, ficava sempre vazio, ninguém ia lá. No outro, os cientistas da universidade envolvidos no estudo apareciam todos os dias para contemplar o desenvolvimento das plantas. E, mais do que isso, direcionavam a elas palavras de carinho, diziam-lhes que eram admiradas e queridas. Resultado: mesmo recebendo as mesmas quantidades de chuva, sol e nutrientes, as plantas que receberam atenção humana atingiram o dobro do tamanho das solitárias.

Agora volto à minha árvore de estimação para contar que ela é a mais frondosa entre todas as outras da rua. De vez em quando, eu desço e lhe faço um carinho – claro, depois de me certificar que não há nenhum idiota da objetividade olhando. Quando meu vizinho passou a motosserra nas duas irmãs dela, me apressei em certificá-la de que jamais faria aquilo com ela. Disse para que ficasse tranquila e que o máximo que poderia acontecer era o caminhão da prefeitura aparecer para podar seus galhos.

Mas, antes da poda incerta, eu tinha uma esperança. E, da janela – moro no terceiro andar – esticava a mão e chamava minha amiga para que viesse até mim e eu pudesse tocá-la. E não é que ela veio? Um dos seus galhos começou, dia a dia, a crescer na direção exata da minha janela. Contrariando o fototropismo, que faz os vegetais procurarem a luz, ela seguiu seus sentimentos e rumou para dentro do meu apartamento. Sua progressão foi tão incisiva, certeira e inédita que eu tive a certeza de que todas as plantas podem sentir nossa vibração e até mesmo entender quando lhes dizemos coisas boas. Da mesma forma, ficam tristes com nossa indiferença.

Na semana passada, esticando o braço na janela, pude, enfim, tocar suas pequenas folhas, acariciá-las, sentir aquela textura macia e levemente porosa, de uma leveza, uma delicadeza que contrasta com todo o peso da vida atribulada que levamos nas grandes cidades. Bombardeados por informação, competição, ansiedades e apreensões, não nos sobra tempo para prestar atenção nas coisas mais simples, que são também as mais fantásticas.


Foto: Marcelo Migliaccio

Texto publicado no Jornal do Brasil em 2009


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Comentários

  1. Lindo, lindo,lindo! Eu tenho uma ideia vaga, mas tenho, de que árvores são seres maravilhosos que habitam este planeta. Elas são vivas, não falam, mas tem uma memória genética. Quando são derrubadas e viram móveis ainda assim continuam vivas, à noite estalam mandando recados para os seres humanos. Plantei uma amoreira na rua, em frente minha casa, e todos os anos nos brinda com frutos, muitos frutos. Alimentaram ninhadas de sábias, que todos os anos voltam e ali fazem seus ninhos. Já fiz geleias, cucas, bolos...No ano passado, "plantei" uma orquídea nela, e tive de cuidar muito pois cada fez que a amoreira é podada corre-se o risco de arrancarem a orquídea. Ao voltar das férias no final de janeiro, me deparo com a orquídea florescida! Dei um grito de alegria,foi emocionante. Parece uma orquídea rara, amarela e vermelha.
    Que espécie é essa da sua rua?

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  2. Acredito nisso, a natureza nos retribui da mesma forma com ela é tratada, tudo é energia, muito lindo

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  3. Adorei o texto, Marcelo, parabéns e obrigado! Se não me engano, essa espécie de árvore tem pequenas flores amarelas que costumam atrair borboletas amarelas! Mas posso estar enganado... Aqui na Tijuca, já quase Usina, um programão (para quem não desligou-se da Natureza), é subir a Estrada Velha a partir do entroncamento com a Conde de Bonfim, no fim de tarde. É muito bonito o caminho, apesar dos carros que descem velozes, e vai ficando cada vez mais interessante à medida que subimos e vamos sendo cercados pela floresta e o céu começa a se enfeitar de pontos luminosos. Gracias a La Vida! (nas andanças tijucanas, ainda conseguimos comer pitanga e amora, tiradas do pé, em diferentes ruas, e também tem folhas de boldo pelo caminho - além dos bares que transbordam) (da Profecia Celestina, que também achei meio maçante, lembro do incentivo que o livro propõe de tratar as crianças desde cedo para serem adultos responsáveis, compromissados e honestos, mas sem perder a ternura jamais) Um abraço!

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    1. Vou conhecer esse lugar na Estrada Velha. Valeu

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    2. Vc não faz ideia da minha tristeza quando o flamboyant e um abacateiro de frente ao meu prédio caíram com as chuvas. Mas ódio mesmo eu senti quando a besta quadrada do síndico, um homem de bem cheio de ódio ao diferente, passou a motossera numa palmeirinha, que era o único verde perto da minha janela.... se ódio matasse, esse engenheiro eleitor de bozo (sempre eles), caía fulminado

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    3. "depois de me certificar que não há nenhum idiota da objetividade olhando" UFA, ACHEI QUE ERA SÓ EU!

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  4. Que privilégio ter uma árvore dessa na janela.
    Aqui na minha rua os moradores queriam contratar uma empresa para podar as árvores, pois a prefeitura é inoperante também nesse quesito, mas eu fui enfático:
    Podem podar a rua toda, menos a árvore que fica em frente a minha casa, porque a sombra que ela proporciona é muito boa
    Podaram muitas árvores, menos a minha e mais algumas outras.

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