Réquiem para um amigo

Foi-se um amigo. Ainda ontem eu estava falando com ele, sentindo sua respiração no ar, vendo angústias nos seus olhos. Bolas, quem não está desesperado?, pensei.

Ele tentou. Saiu da sarjeta, da cachaça, da família desagregada, do padrasto violento. Depois de muito apanhar na vida, escondeu-se numa igreja evangélica. Disciplinado pelo pastor, seduzido pela  prosperidade declarada em tantos testemunhos, constituiu família, arranjou emprego. Trabalho braçal num clube de elite. Carregava peso o dia inteiro vendo os ladrões dos nossos milhões passearem de iate com belas aproveitadoras.

Adquiriu uma hérnia, a prosperidade anunciada pela igreja revelou-se apenas um crediário na Casas Bahia. Cansou de carregar os barcos dos pilantras e dos exploradores nas costas, largou a igreja e voltou a beber. Logo foi demitido. Todo o desamparo veio à tona de novo, com muito mais força. É difícil não ter com quem se aconselhar. É difícil não ter nenhuma palavra de consolo ou incentivo sincera, nem mesmo a ladainha positivista que o pastor lhe vendia em troca do dízimo e das ofertas.

O coração sofrido não aguentou muito tempo.

Você tentou, amigo.

Todos nós estamos aqui tentando.

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