Bangue-bangue caboclo

Fazer um filme sobre a música Faroeste Cabloclo é um risco que muitos não assumiriam. Estrondoso sucesso da Legião Urbana na segunda metade dos anos 80, esse hit imortal conseguiu a proeza de tocar nas rádios FM até cansar os ouvidos apesar de seus 11 minutos de duração. Nem Pink Floyd ou Yes, com suas faixas quilométricas da década de 70 chegaram a tanto.

O problema é que todo brasileiro já construiu seu próprio filme na cabeça ao ouvir a música. Levá-la, portanto, ao cinema, mesmo com um filme bem feito como esse, é sempre temerário e gera decepções compreensíveis.

O diretor brasiliense René Sampaio, que até então só tinha experiências em curta-metragens, se defendeu bem das armadilhas que havia em seu caminho. O filme tem clima. A recriação de época é ótima, as músicas, bem escolhidas e ótimos atores foram recrutados, entre eles o protagonista, Fabrício Boliveira, e o antagonista, Felipe Abib, que só exagerou um pouco na hora de morrer (tudo bem, nenhum ator consegue fazer laboratório para esse tipo de cena). Antonio Calloni e Flavio Bauraqui, como sempre, estão muito bem, assim como Cesar Troncoso, o gringo, e Rodrigo Pandolfo, o viciadinho, e o dono da birosca, cujo nome inexplicavelmente não encontrei em nenhuma ficha técnica publicada na internet. Como sofre um coadjuvante... soube agora pelo leitor Denis Leão que trata-se de Andrade Jr., ator conhecido em Brasília e com carreira no teatro.

Ísis Valverde como Maria Lúcia, bom... é uma boa atriz, mas, no filme que passa na minha cabeça toda vez que ouço a música, a paixão de João de Santo Cristo é diferente da Ísis. E no seu?

O resultado é que o filme, por ter um enredo que está na ponta da língua de todo mundo, soa por vezes lento, previsível. Ao mesmo tempo, é possível que se sinta falta de elementos da letra suprimidos no roteiro, como, por exemplo, o "general de dez estrelas que fica atrás da mesa com o cú na mão". Nessa aritimética dramática sobram cenas longas do romance entre João e Maria Lúcia.

Não por acaso, as melhores cenas são as que surpreendem, como a de João sentado na janela do apartamento da patricinha filha de senador. Faltou mais disso, da centelha de criatividade do diretor e dos roteiristas. Era preciso criar em cima do que Russo escreveu, recriar o que já existia, acrescentar sem descaracterizar.

A estética do bangue-bangue caboclo lembra os filmes de Quentin Tarantino, com tiros em câmera lenta e gotículas de sangue espirrando ao vento. Em certos momentos, cheguei a ver Antonio Banderas atirando como em A Balada do Pistoleiro, de Robert Rodriguez. Mas é um vício crônico do cinema brasileiro o de quase sempre copiar o que se faz lá fora. Isso acabou descaracterizando um pouco a atmosfera da música, que é radicalmemte tupiniquim. Não sei se Renato Russo aprovaria. Um tiro em slow motion é glamouroso, enquanto a música é realista. Para o autor da canção, com certeza, um tiro nada tem de glamour.

Foto: Divulgação
Cesar Troncoso e Fabrício Boliveira em cena do filme

Comentários

  1. Há um erro de digitação:nada trem (TEM) de glamour.
    Obrigado Marcelo, por poupar-me tempo...que deveria vender em shopping ou supermercado...eu iria todo dia abastecer-me deste produto essencial . O primeiro motivo para não entrar no escurinho do cinema está aqui:" Mas é um vício crônico do cinema brasileiro o de quase sempre copiar o que se faz lá fora". Esse lá fora, quase sempre, é "istêtis". Hummm...Sinceramente, considero uma estupidez porque só somos melhores quando somos autênticos e usamos nossas referências culturais- em todas as manifestações artísticas - e nossa língua, por supuesto ("a língua é minha pátria").Sou brasófilo e considero a arte genuinamente brasileira, o máximo...não precisamos copiar ninguém...inclusive como seres humanos, somos únicos, né? cada um com sua impressão digital e sua expressão artística original (sei que verdadeiros artistas são raros, são os escolhidos pelos deuses das artes...).

    "Segundamente" rsrs, não sou chegado a "faroeste", muito menos ao Quentin Tarantino...quem gosta, meus respeitos...e que se esbalde e se divirta. Claro...tem de haver de tudo para todos...do joio ao trigo, do olho à remela, do xucro ao chique, do singelo ao erudito, das pérolas aos poucos...às pérolas aos porcos rsrs (não estou-me referindo ao filme, é só uma singela digressão rsrs).
    Marcos Lúcio

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  2. Eu já não estava querendo assistir, agora é que não vou ver mesmo.

    Vou manter o filme "faroeste caboclo" da minha cabeça.

    Valeu!

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  3. Eu assisti e achei razoável, não esperava muito mais do que eu vi.

    Cury

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  4. O filme pode até ser previsível, mas Fabrício Boliveira teve finalmente a oportunidade de mostrar seu talento ao viver o protagonista João de Santo Cristo. Mostrou que pode muito mais que ser moleque de recado das sinhazinhas globais.

    A música é o melhor do filme, capaz de manter o espectador na cadeira até subir a última linha dos créditos finais.

    Renato Russo conseguiu com a geração 80 e seu “Faroeste Caboclo”, o que Joaquim Osório e Francisco Manuel tentaram 196 anos antes, mesmo contando com incentivo Oficial, sem o mesmo sucesso.

    Russo só não superou Lamartine Babo.

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  5. Renato Russo 'atirou' no traidor cinco vezes que não necessariamente morreu no quinto. Depois do primeiro disparo de espingarda no peito, ficar em pé e ainda tentar uma vez, justificando um segundo tiro de João, já estava de bom tamanho, e já forçando a barra. Os demais três tiros poderiam ficar por conta da garantia de morte (visão ofuscada pelo sol e definhando) e por conta do ódio também. Diante da interpretação (morte no quinto tiro) da produção/direção, o ator se viu obrigado a exagerar. André

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  6. O dono da birosca é o veterano ator de Brasília Andrade Jr., quando comecei a fotografar teatro em Brasília, nos anos 80, ele era um frequentador assíduo da minha lente. Figura generosa e ativa das artes cênicas de Brasília.
    Veja na matéria abaixo do Correio Braziliense.

    http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte/2010/12/05/interna_diversao_arte,226128/cultuado-por-cineastas-andrade-jr-e-figura-constante-em-filmes-locais.shtml

    http://www.cazafilmes.com.br/projetos/18-projeto-4

    Denis Leão

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