Tudo passou

O aparelho de som três em um, novidade fantástica no fim dos anos 70. Lá atrás, jogado, um velho disco long play

Sou do tempo do telefone com fio. Fixo de verdade. Pra falar em outro cômodo da casa, era preciso instalar uma extensão ou então sair puxando aquele fio enorme.

Sou do tempo do aparelho de som três em um, como esse da foto, que vi exposto numa feira de velharias.

Ouvi muita narração do Waldir Amaral e do Jorge Cury em rádio transistor, menor no tamanho e igual aos grandes no chiado.

Ouvia músicas do Dire Straits nos toca-fitas dos carros. Uma vez ganhei um gravador mini-cassete da Aiwa. Sim, já existiu essa marca.

E carro com ar condicionado era só Landau e Dodge Dart. No resto, a gente tinha que apelar para o quebra-vento.

Em casa, ouvia numa vitrola long plays comprados na Sears da Praia de Botafogo. Foi numa Philips que conheci Good Bye Yelow Bric Road, do Elton John, e as músicas da novela O primeiro amor, meu primeiro disco de vinil.

Sou do tempo em que a fotografia tinha que ser revelada e, para ver na hora, só com câmera Polaroid, aquela instantânea que custava mais barato que o filme usado nela e cuja foto colorida amarelava em poucos meses. Peguei até os lambe-lambes nas praças, tirando fotos 3x4 das pessoas com as cabeças cobertas por um pano preto e enfiadas naquele caixote estranho.

Para ter imagens caseiras em movimento, só numa filmadora Super 8 importada dos EUA. Um filminho em rolo, sem som, exibido em um pequeno projetor. Por falar nisso, lembra do projetor de slides?

Peguei o leite naquelas garrafas de vidro, deixadas na porta das casas pela manhã pelo leiteiro, outra profissão que não existe mais... assim como a de ladrão de garrafas de leite.

Ouvi o apito do guarda noturno... andei de Corcel, Opala e Karmann-Ghia.

Sou do tempo da máquina de escrever e, nas primeiras redações de jornal em que trabalhei, havia dezenas daqueles trambolhos barulhentos da marca Olivetti. Até fiz um curso de datilografia quando ainda estava no colégio, pois seria importante para a carreira de jornalista. E lá estava eu numa salinha com dezenas de colegas batucando nas teclas cobertas por um plástico ensebado.

Impressora era só para imprimir jornal. As pessoas comuns faziam cópias com papel carbono ou mimeógrafo! Quem não se lembra daquele cheiro de álcool nas folha de prova da escola? O cheiro é a melhor maneira de viajar no tempo.

Sou do tempo do cigarro sem filtro. Hoje, o cigarro sem filtro é só aquele outro, proibido (ainda, apesar dos seus mais de 5 mil anos de idade).

Videogame era só naquelas grandes máquinas dos fliperamas. Micro computador só existia nos Estados Unidos e era do tamanho de um ônibus.

A coisa mais parecida com internet que existia era a fofoca de vizinhos e só quem usava sandália Havaiana eram empregadas domésticas e os gari (!), que ainda levariam anos para ganhar botas. Hoje, chinelo de borracha é fashion.

MP3? Nem em sonho. O walkman era o maior avanço para se ouvir música na rua.

Sou do tempo em que qualquer pessoa, com uma ficha, fazia uma ligação num telefone público (ainda nem tinham aparecido os orelhões). Hoje, se você encontrar um orelhão funcionando, precisa ter dinheiro para comprar um cartão com 20, 30 créditos de chamadas. E você queria dar apenas UM telefonema...

Sou do tempo em que TV era só em preto e branco e precisava esquentar até que a imagem aparecesse. Numa dessas, eu vi Irmãos Coragem (primeira versão, claro) e a Copa de 1970. E era um aparelho mal assombrado, porque dependíamos de antenas para receber a transmissão e os fantasmas abundavam.

Sou do tempo do acendedor de fogão Magiclik, que parecia mesmo mágico ao lançar uma fagulha no gás e provocar o fogo.

Sou do tempo do Baú da Felicidade, da Loteria Esportiva, das sessões Tom & Jerry no cinema Drive In da Lagoa, do Tobogã, do
Tívoli Park, do Píer de Ipanema, da odiosa ditadura militar e do Maracanã com geral, cadeira, camarote e arquibancada; do futebol com torcida, não com telespectador. 
O tobogã da Lagoa


Todas essas coisas passaram. As mais avançadas novidades eletrônicas de ontem, hoje estão mofando em brechós. Aquelas roupas novas que faziam você se sentir tão especial viraram pó. E se não tivessem virado, as pessoas ririam de você na rua. 

A única coisa que eu conheço que dura mais que o dono é o isqueiro Zippo.

Apesar de tudo isso, me sinto um garoto, porque, como me ensinou a octogenária tia Marina, o que envelhece é o corpo.

Se ainda estamos funcionando, ainda estamos na moda.

Portanto, aproveitemos.

Comentários

  1. Uma das coisas mais interessantes no ganho de idade (tá bom, envelhecimento) é que nossos contemporâneos - e adjacentes do tempo - sentem falta das mesmas coisas.

    Algumas das coisas citadas por você, Marcelo, não cheguei a ver com estes olhos que a terra há de comer, mas também lembro do Baú da Felicidade e seus vendedores que saltavam das Kombis em plena manhã de sábado, fazendo nossas mães fingirem que não estavam em casa pra não ter de ouvir aquela ladainha...rs...

    Lembro ainda da loja do mesmo dono do Baú: Tamakavi (era com "i" ou "y"?). Nossa... Isso é antigo! Vendedores de Yakult, de algodão doce, aquele cara do pirulito de melado com uma madeira velha na mão batendo o arco de ferro nos pregos, a boa e velha Fluminense FM e o refresco de caju no copo de papel na praia.

    Pra conhecermos mais os grupos de rock ou saber o que haviam lançado tínhamos de comprar a enciclopédia do rock no jornaleiro e olha que as notícias vinham com mais de 5 meses de atraso! O mais próximo de um download é quando alguém descia a rua ou as escadas com os discos de vinil debaixo do braço ou em uma sacola de papel do Merci (ou Casas da Banha, se preferir). Meu gravador era um Phillips, com microfone! Tinha que gravar no quarto, trancado. Se alguém presente emitisse um som que "sujasse" a gravação a porrada comia.

    Sei que com isso tudo e essas maravilhosas recordações ganhávamos nós, com maior capacidade de interação social, cultura (na rádio ainda não tocava lixo) e até mesmo aprendíamos alguma de idiomas - meu caso, que comecei a arranhar no inglês depois de traduzir as músicas do Pink Floyd, Supertramp, Dire Straits...

    Agora ficou tudo mais fácil: Google Translator, Google Search, Google Mail, iPod, download de MP3, Torrents...

    O Google só fica devendo a manga na árvore do vizinho, o jambo, a guerra de mamona, o cheiro do disco de vinil novo (e do velho também), os programas de rock da Fluminense FM de sábado à tarde, a praia limpa dos anos 70 e 80, o barulho do vendedor de pirulito e bala-boneco com para-quedas...

    Quem ganha ou perde nunca saberemos, mas me sinto um privilegiado de ter vivido aqueles tempos. Abração.

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  2. Marcelo, lendo seu comentário cheguei a seguinte conclusão: você é velho pra cacete!

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  3. Sou, sou antigo mesmo, Emerson. Lembro de tudo que o Fred citou. Vou fazer 49 em agosto. Mas não fiz plástica não...

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  4. Marcelo fez uma viagem ao passado.
    Sou do tempo em que a Feira da Providência era na Lagoa e lá também tinha o Tivoli Park.
    Lembro-me com saudades da Sears, Mar e Terra, Gaio Marti, Merci, Bemoreira Ducal, Cinema Rian (a dona chamava-se Nair = Rian ao contrário), e muitas outras coisas inesquecíveis !!
    Só para matar saudades, clique no link abaixo:
    Cury

    http://www.youtube.com/watch?v=fnTK7OwilgQ

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    1. Cheguei a ir uma vez na Feira da Providência na Lagoa. Uma ou duas...

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  5. Eu já tirei foto 3x4 no Lambe-Lambe !!! Lembro que o velhinho fez seu trabalho super sério, enquanto eu dava gargalhadas, sentada no banquinho em plena Praça Serzedelo Correia. Todas as vezes que passo por lá, me lembro disso.

    AH, não posso esquecer: a foto da bici com o sol nascente está ma-ra-vi-lho-sa. Voc~e tinha mesmo era que fazer uma exposição.

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    1. Fernanda, tirar foto no lambe-lambe e cantar "Meu bumerangue não quer mais voltar" no karaokê do Noites Cariocas é a sua cara.

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    2. Também cantei "Aquarela" no karaokê num show do Ultraje, no Parque Laje... nesta mesma época.

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  6. Pocha MM. Se você está se achando antigo imagine eu. Vi um Zepellin atravessando os ceus de São Paulo. Ganhei. Sou do tempo do Onça. Mas tudo bem estou viva e feliz. Bjs. Yves Rangel.

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  7. RECORDAR É VIVER, ALGUEM DISSE UM DIA.....
    MARAVILHOSA SUA CRÔNICA ( OU SEJA LÁ COMO CHAMAM AGORA).

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  8. Nossa...Que bom ler isso! Eu nasci em 1971 e ainda peguei algumas dessas lembranças que você escreveu. Me lembro que na Faculdade de Jornalismo na FACHA a gente tinha que datilografar as laudas em papel jornal. Lembro da Sears, da Mesbla, da Sandiz (em Niterói). Lembro dos LP´s que eu comprava de bandas que eu adorava como: The Cure, The Police, A-ha, etc. E das fitas k7 lógico. Inclusive as virgens que eu gravava no gravador portátil (pesadão se compararmos com os Mp´s de hoje). Lembro das câmeras fotográficas que eu tive...Das TV´s que pra gente trocar de canal tínhamos que rodar o botão com força...eu até tive uma TV Preto e Branca...Do tênis Bamba...Da Melissinha (virou febre entre as meninas na época). Nossa como eu tô ficando nostálgica...:)

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  9. Mauro Pires de Amorim.
    Também sou dessa época, já que faço 47 anos em março.
    Lembro perfeitamente de todas essas coisas por você citadas.
    Felicidades e boas energias.

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  10. De acordo com esta evidência citada por você: "o que envelhece é o corpo...se ainda estamos funcionando, ainda estamos na moda",não pude deixar de pensar que o negócio do viver consiste, até provas contrárias...em transformar os olhares, os sentires, reaprender enfim, para transformar o coração, no longo processo de maturação. É a tal de maturidade, infelizmente conseguida por poucos , ainda que cheguem aos 100 anos. Ser adulto e maduro, e evidentemente sem gravidade, somente com responsabilidade e leveza, convenhamos e, claro, sem descaracterizar a essência, é privilégio de poucos. A lucidez ou o bom senso aconselham a não se negar o que se traz por dentro e não forçar a natureza singular que cada ser humano possui.

    Embora eu tenha sido o muso (ins)pirador rsrs do Raul Seixas, pois "nasci há 10.000 anos atrás"...não sinto saudade de nada, porque sou hiper ativo e mal dou conta de viver o instante já (que já passou e passa inexoravelmente). Como não segui modismo algum...sempre duvido de tudo e todos kkk, faço minhas as poéticas palavras do genial e nobre Paulinho da Viola , sugerindo o ótimo documentário de mesmo nome:


    Meu Mundo É Hoje

    Eu sou assim, quem quiser gostar de mim eu sou assim.
    Meu mundo é hoje não existe amanhã pra mim
    Eu sou assim, assim morrerei um dia.
    Não levarei arrependimentos nem o peso da hipocrisia.
    Tenho pena daqueles que se agacham até o chão
    Enganando a si mesmo por dinheiro ou posição
    Nunca tomei parte desse enorme batalhão,
    Pois sei que além de flores, nada mais vai no caixão.
    Eu sou assim, quem quiser gostar de mim eu sou assim.
    Abraço
    Marcos Lúcio

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  11. Há quem confunda simplesmente lembrar , ter memória, com sentir saudade ou, pior, os que têm como referência boa somente o passado ...com a imaginação correndo à solta e dilatando ou colorindo os fatos. Reproduzo estas frases, a seguir, que penso darem conta da minha falta de talento, da quase indigência (risos...) no trato com a coisa escrita.


    Quanto amei ou deixei de amar, é a mesma saudade em mim.
    Fernando Pessoa

    Também temos saudade do que não existiu, e dói bastante.
    Carlos Drummond de Andrade

    Tenho saudades de tudo que ainda não vi
    Renato Russo

    Saudade é amar um passado que ainda não passou,
    É recusar um presente que nos machuca,
    É não ver o futuro que nos convida...
    Pablo Neruda

    O tempo não pára! Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...
    Mário Quintana

    "A saudade é o alimento vão de um espírito desocupado. É preciso, acima de tudo, evitar a saudade ocupando sempre o espírito com novas sensações e novas imaginações."
    Desconhecido

    Tenho mais saudade do que ele poderia ter sido, do que dele efetivamente como foi.

    *viúva, que chegou às bodas de ouro...e lamentou assim, quando da morte do marido.

    Sentir saudade é querer valorizar, através do sentimento, aquilo que, na ocasião, não foi percebido ou vivenciado com consciência ou com racionalidade.
    Autor desconhecido

    Eu amo tudo o que foi
    Tudo o que já não é
    A dor que já não me dói
    A antiga e errônea fé
    O ontem que a dor deixou
    O que deixou alegria
    Só porque foi, e voou
    E hoje é já outro dia.
    Fernando Pessoa

    Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
    Fernando Pessoa

    Adorei seu post, pra variar.
    Abraços
    Verônica

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    1. Ótimas frases, Verônica, gostei especialmente da do Neruda. Abraço

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  12. Marcelo,me diverti um bocado ao lembrar daqueles itens que você mencionou. Eu tive um Magiclick que durou mais do que o fogão que minha família tinha,e um "3 em 1" praticamente idêntico ao da foto,só que era da Aiko (outra marca sumida,aliás,junto com a Polivox e a Telefunken). Época dos aparelhos de ar condicionado Admiral e com que orgulho muita gente saía à rua com Walkman da Sony,antes que ele virasse uma quinquilharia que qualquer camelô tinha. A Brasília do meu pai tinha um toca-fitas TKR que eu quase estourei de tanto tocar músicas do Supertramp,isso quando a fita não enrolava dentro do aparelho e tínhamos de tirá-la lá de dentro com muito cuidado e enrolá-la de novo girando o rolo com uma caneta Bic (bom,esta ainda existe). Não que a gente queira reviver aqueles tempos,mas que dá uma certa saudade do contexto daquilo tudo isso dava.

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    1. Conheci um cara que era especialista em roubar TKRs e depois vender pro próprio dono... imagine...

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  13. Voce escreve sobre coisas antigas, coisas que usei e curti muito tambem.
    Eu escrevo para falar sobre o oposto: o avanco tecnologico. cada dia que passa inventam algo novo e, a cada dia que passa, eu fico mais defasado...
    Como era bom o tempo onde entre um lancamento e outro dava tempo ate para curtir duas copas do mundo!
    Ariel ("Sou Contra") Galvao

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  14. Oi Marcelo,

    Mesmo lendo depois de tanto tempo que você escreveu, não resisto a me misturar neste clima de lembranças.
    Uma delícia pra mim.
    Também sou desse tempo, e é muito bom poder compartilhar as lembranças.
    E aí, lembrei também de uma brincadeira que eu brincava com as meninas e os meninos da minha rua: Pera, uva ou maçã, e em como o coração batia quando escolhia o beijo (rápido e no rosto), e o menino era aquele que me visitava nos sonhos.

    Só você mesmo, pra fazer "baixar" a poesia, nesse momento que a gente está vivendo, e que tantas vezes,não é nada bonito.

    Beijo pra você e pros seus leitores.

    Hanna.

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  15. Tenho um reciever Philips de 83. Prá FM é uma maravilha e o som é gostoso.
    Meu sonho de consumo é um 3 em 1 National um pouco parecido com o que ilustra está página. O som deste aparelho é uma maravilha.
    Tenho 51 anos e também sou saudosista. Imaginem que tive o previlégio, lá pelo inicio dos anos 70 de fazer algumas viagens de trem puxado por uma locomotiva a vapor e isso até hoje é marcante.
    Trabalhei em uma empresa de beneficiamento de arroz que possui máquinas eletrônicas de última geração mas a maravilha é uma locomóvel a vapor de 1949 usada para gerar energia.
    Na verdade, hoje as inovações e a tecnologia em todos os aspectos são coisas banais e corriqueiras e isso faz uma agulha num vinil, um carro antigo ou uma máquina a vapor se tornar algo surpreendente e diferente.

    ( Loreto___Cachoeira do Sul - RS )











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