Paulo Julio Clement

Há uns dez dias, nos encontramos no batizado do filho de um grande amigo comum. Chovia quando eu cheguei e, ainda nas imediações da igreja, encontrei o Paulo Julio. Ele só havia achado  vaga para o carro longe dali e sua camisa estava encharcada. Dei lugar a ele debaixo do meu guarda-chuva. Paulo foi padrinho do filho desse nosso amigo, o também queridíssimo André Balocco. A certo momento da cerimônia, com a blusa molhada colada ao corpo, ele me perguntou:

_ Você acha que vou ser um bom padrinho?

_ Claro _ eu disse. Lógico que vai!


Paulo Julio Clement foi um dos jornalistas mais brilhantes que conheci. Foi bem na mídia impressa, no rádio e na TV. Sabia tudo de esportes, futebol principalmente. Lembrava de tudo e este era um dos meus motivos preferidos para encontrá-lo. Ficávamos horas lembrando de jogadores e jogos dos quais ninguém lembra mais. Agora que a fatalidade levou o Paulo, com quem vou falar do Fanta, obscuro meio-campista do Fluminense no início dos anos 80?

Trabalhamos juntos pela primeira vez no Globo, mas em editorias diferentes. Anos depois, no JB, ficamos mais próximos e pude comprovar o excelente caráter desse colega. Era justo como chefe, sabia cobrar e comandar com generosidade e gentileza.

Me chamava de "ponta recuado", aquele que ajuda o meio-campo.

Politicamente, era meu companheiro na esquerda. No Facebook, no auge do tiroteio, não ficava em cima do muro, embora fosse sempre muito mais ponderado do que eu. Descia a lenha no prefeito elitista, combatia o golpe, os preconceitos de toda ordem.

Há alguns meses, depois de várias caipirinhas, mandei-lhe uma declaração de afeto pelo Facebook. Era tarde da noite e ele estranhou. Perguntou por que aquele repente.

Envergonhado, de início culpei as caipirinhas. Mas depois lhe disse que amizades verdadeiras são raras e é preciso celebrá-las.

É difícil acreditar que nunca mais o verei. Até saber que ele estava na lista, a tragédia para mim era distante, televisiva. Mas, por volta das nove horas, soube que Paulo Julio, tão próximo, tão parecido comigo, estava naquele avião.

A morte de alguém próximo choca demais. Nos dá a terrível noção de que amanhã nós mesmos podemos não estar mais aqui e que isso é tão natural quanto essa força vital fascinante que experimentamos todas as manhãs.

Quando penso nas fotos dele com o filho Theo, na declaração de amor que fez outro dia para a esposa Flávia, tudo perde a graça, nada faz o menor sentido. Espero que os dois tenham força e luz para seguir em frente.

E que um dia eu possa reencontrar o meu grande amigo Paulo Julio Clement.

Hoje, da forma mais triste, eu descobri o porquê daquelas caipirinhas.







Comentários

  1. Bela mensagem. Bela homenagem. Bela capirinha.

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  2. Nossa despedida. Pooooonta recuaaaado

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  3. Não tive o privilégio de conhecer o Paulo, assim como o Victorino e o Mario Sergio, grandes jornalistas. Do Paulo tive informações de uma amiga cujo filho estuda com o filho dele e ratifica um pouco do que você relata como sendo uma grande pessoa. Mas o que me impressionou bastante nesse episódio triste foi o fato de que enquanto o presidente usurpador enviou uma nota protocolar e os deputados golpistas se refestelavam votando seus pacotes de maldades, o povo colombiano deu a maior demonstração de respeito e carinho deste caso. Já estive duas vezes na Colômbia e posso testemunhar o que eles sentem em relação a nós. Mas o que vimos no estádio colombiano onde seria realizado o jogo foi o que podemos verdadeiramente chamar de coisa de "hermanos".

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  4. PJ era um cara do bem e tinha uma Luz fantástica. Trabalhamos juntos no JB, pra mim uma honra. Peço a DEUS que o ilumine e o guarde em sua nova morada.

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  5. Fiquei emocionado com seu sincero relato...lembrei-me da morte (nunca a esqueci) , há décadas, de meu maior amigo (sem desmerecer outros, claro!). Concordo absolutamente que: "amizades verdadeiras são raras e é preciso celebrá-las". E acrescento: depois da saúde, o melhor da vida são os encontros com os amigos leais, de afinidades eletivas e, evidentemente éticos e/ou de bom caráter, sem exceções.

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