O buraco é mais embaixo

A menina tem 16 anos. Não é miserável. Desde nova saiu para o mundo. Pariu aos 13. Pistoleiras do showbiz e heroínas vadias de novela devem ter feito sua cabeça. Os que a rodeiam não dispensam uma "novinha". Ela não estuda nem trabalha. Só pensa em baile funk, shortinho, sainha e top. Passa dias sem aparecer em casa. Rebola até o chão nas madrugadas. Não tem medo de favela. Namora bandidos, convive com pistolas e fuzis. Participa da endolação na boca de fumo em troca de droga. Fuma, bebe, cheira loló até desmaiar. Como ela, há milhares de garotas a fim de emoção por aí.

De repente, ela aparece na internet, desacordada numa cama imunda. Marmanjos em volta, apalpando e fazendo piadas, tudo filmado e postado. Um deles diz que mais de 30 "engravidou". A polícia, em polvorosa, prende sete. Imprensa unida contra a "barbárie". O delegado que questiona a versão inicial, encampada prontamente pela opinião pública como verdade, é afastado. A delegada que assume garante o estupro mesmo contra o laudo pericial. Convicta, ela dispensa até acareação entre os detidos, um absurdo. O ministro que não ligou para o estupro no metrô de São Paulo coloca-se à disposição. O governador que não faz nada pede pena de morte para os "monstros".

Não se trata de "criminalizar a vítima", como dizem os ingênuos, os que não querem ir fundo nas causas dessa sexualização precoce e exacerbada da molecada. O que ela esperava encontrar, um príncipe encantado? Claro que não.


Comportamento nenhum justifica qualquer ato de violência, quanto mais a inominável agressão sexual. A maior violência que essa jovem sofreu, no entanto, foi na cabeça, antes de ser abusada. Como milhões de crianças e jovens vêm sofrendo diariamente.

Como sempre, preferimos a mentira porque a verdade dói demais. Sem trocadilho, o buraco é mais embaixo. Que meninos e meninas estamos formando? A cultura do estupro está na mídia, na Popozuda dançando no programa infantil, na mãe e no pai que vestem a filhinha como puta desde os cinco anos, na novela em que a menina leva uma bofetada e na cena seguinte está na cama com o agressor... é contra isso que as feministas deveriam se revoltar.

Querem discutir seriamente a cultura do estupro, não se baseiem nesse caso, que já era previsível pela autoexposição irresponsável da menina diante da bandidagem. Investiguem as razões de alunas do Pedro II e da Universidade Rural estarem sendo violentadas pelos próprios colegas de sala. Isso sim mostra como a coisa está feia.


Se querem discutir a cultura do estupro, extensão da cultura da violência, vamos falar sobre educação, não só na escola mas principalmente em casa, onde muitos pais costumam delegar a tarefa mais importante de suas vidas à nefasta babá eletrônica, fonte inesgotável de preconceitos, agressividade e sexismo.

LEIA TAMBÉM:
O bacanal brasileiro
A apologia ao sexo e suas consequências

Comentários

  1. Muitas mulheres se ofendem com o teor do texto e acusam o autor de "criminalizar" a vítima. Ela é vítima, sem dúvida alguma, mas vítima não só do estupro sofrido. Vítima da ausência e da negligência dos pais e educadores, questão esta crucial e alvo da discussão proposta.

    Sem dúvida nenhuma é preciso sim ter o discernimento de não se colocar em situações de vulnerabilidade, como a vítima em questão. Não sejamos hipócritas a ponto de achar que tudo é permitido em nome da causa feminista. Ser feminista é antes de mais nada defender a vida, com a responsabilidade de assumir os riscos inerentes às atitudes que tomamos.

    ResponderExcluir
  2. Não vejo que a necessidade de investigar o caso da Rural (onde estudei) e do Pedro II, e da necessidade de buscar a fundo as causas da violência contra a mulher deva excluir a possibilidade de investigar o caso da menina na favela. Se ações de longo prazo são mais importantes no caso, não devemos por isso abrir mão das ações de curto prazo.

    ResponderExcluir
  3. Considero evidente como estupradores desvalorizam e desrespeitam e inferiorizam a mulher, antes de tudo. Imperdoável esta barbárie . Infelizmente a Igreja e a Bíblia deram e ainda dão sustentação à perversão dos machos irracionais/bestiais.A mulher, durante grande parte da história das civilizações, foi tida como o ser inferior, sujeito subordinado ao homem. Eva representou o símbolo da inferioridade e pecado, já que foi gerida de parte do corpo do homem, associando assim a sua dependência e subordinação ao mesmo. É claro que essa interpretação nos foi contada pelos homens que escreveram a história à sua maneira falocrática.
    A Idade Média projetava a imagem da mulher em dois modelos distintos, sendo Eva o modelo da mulher naturalmente ostentadora dos diversos vícios (mentira, luxúria, feitiços, etc). Por outro lado, temos o modelo da mulher virtualmente ideal, Maria, aquela que virgem (pura) gestou o ser símbolo da divindade e aproximação do céu à terra, Jesus.
    Assim, a trajetória da história da mulher , objetificada, é reflexo do que queriam nos contar, de maneira tendenciosa, manipulada e controladora... os homens que a escreveram.

    ResponderExcluir
  4. Este caso lamentável e vergonhoso lembrou-me de um estudo. Um grupo de cientistas canadenses se reuniu para fazer uma revisão de toda a literatura existente sobre o tema. O resultado é o livro The Causes of Rape: Understanding Individual Differences in Male Propensity for Sexual Agression ("As Causas do Estupro: Entendendo Diferenças Individuais e a Propensão Masculina para a Agressão Sexual").

    De acordo com o grupo, liderado pelo psicólogo Martin Lalumière, da Universidade de Lethbridge, estupro e coerção sexual aparecem em homens com conduta anti-social. Eles são indiferentes aos interesses de outras pessoas, tendem a desvalorizar as mulheres e não raramente estão envolvidos em outros tipos de crimes e agressões.

    Uma conclusão surpreendente do grupo é que, ao contrário do que muitos estudiosos acreditam, esses homens não têm dificuldade para conquistar mulheres. Muito pelo contrário, apresentam forte tendência ao que se define como "esforço reprodutivo" - ter o maior número de parceiras sexuais possível com relações curtas e rápidas.

    Os pesquisadores apontam três tipos de homem que se encaixam nesse perfil: rapazes no fim da adolescência e começo da vida adulta que contam não só com uma impulsividade sexual natural, mas também com uma noção de risco relaxada, agressores que persistem com esse comportamento a vida inteira e os psicopatas. O problema é que esses mesmos traços costumam ser característicos de outros criminosos. O que gera a pergunta: por que nem todos estupram?

    A equipe de Lalumière encontrou o caminho para a resposta em testes de laboratório que checam o grau de ereção dos homens diante de relatos de sexo. No estudo, estupradores, criminosos e pessoas comuns ouviram histórias de sexo consensual e forçado. Nos relatos de estupro, o sofrimento da vítima era enfatizado.

    Em todos os testes, os estupradores ficaram igualmente ou mais excitados com o sexo forçado que com o consensual. Na comparação com outros homens, o grau de excitação diante dos relatos de violência sexual foi maior. Essa diferença ficava mais marcante quando o estupro envolvia brutalidade extrema.

    Diante desses resultados os pesquisadores questionaram se o estupro poderia ser um tipo de desordem psiquiátrica sexual como o sadismo, por exemplo. Mas não parece ser o caso, uma vez que boa parte das relações sádicas é consensual. O mais provável, defende o grupo canadense, é que essa excitação seja mais um reflexo do comportamento anti-social. Em suma, estupradores não são necessariamente atraídos pela violência, mas incapazes de serem inibidos por ela. Afinal, eles não se importam com o sofrimento da vítima.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas