Dos males, sempre o menor

O supermercado mais caro da Zona Sul estava cheio. Uma profusão infernal de coxinhas comprando pastinhas pra comer com vinhozinho enquanto assistem ao Jornal Nacional. Com minhas 50 gramas de mortadela e um pão francês em punho, estou na fila atrás de um senhor baixinho, cabeça branca, magrelo e muito bem vestido na moda de 40 anos atrás.

Eu já tinha aprendido que em fila de supermercado o melhor é fazer o tipo surdo-mudo, mas esqueci a lição quando o old man à minha frente virou-se para o final da outra fila, igualmente quilométrica, e acenou para uma garota de generosas formas que poderia ser neta dele.

_ Vem pra cá! _ sussurrou ele com um piscar de olhos.

A moça, claro, veio e ele a colocou como a próxima a ser atendida.

Só para mostrar que eu estava vivo, inclusive a mim mesmo, perguntei baixinho no ouvido gasto do velho.

_ Você colocou ela na nossa frente?

Pra quê! O velho deu um pulo e virou-se para trás exatamente como Cristiano Ronaldo faz ao comemorar seus gols. Num brado colossal, ele me desafiou:

_ O que foi!!!! Não gostou???? Vamos lá fora resolver isso agora!

O vozeirio no mercado cessou imediatamente. Vi que cerca de cem pessoas me olhavam esperando a minha reação. E eu me perguntei imediatamente o que fazer. Numa rajada de pensamento tão rápida quanto um latejar de pestana, examinei as três hipóteses mais plausíveis:

A primeira possibilidade era de que aquele velho, magrelo e baixinho, para desafiar assim um desconhecido, deveria estar armado. Talvez fosse um delegado aposentado, um bicheiro sem banca ou um militar da reserva, cabo eleitoral do Bolsonaro. Bom, não vou tomar um tiro de um doido por causa de cinco minutos a mais numa fila de mercado, pensei.

A segunda hipótese era de que o ancião valente não estivesse armado mas fosse um ex-campeão de jiu-jitsu ou coisa que o valha. Seria péssimo eu ir lá pra fora com ele e voltar de olho roxo para pagar a mortadela.

O último desdobramento que me ocorreu foi o de eu bater no velho, o que seria horrível como as duas alternativas anteriores. Nunca fui de brigar. Acho o embate físico entre duas pessoas de uma animalidade constrangedora. E, quando criança, nas poucas vezes em que bati em alguém me senti pior do que nas que apanhei. Não, brigar com o Cristiano Ronaldo master estava fora de cogitação. De mais a mais, depois que inventaram a arma de fogo, valente virou uma espécie em extinção.

Mas eu ainda tinha que resolver o problema do pessoal todo do mercado esperando a minha reação. Como não tinha saída melhor, optei pela diplomacia.

_ Que isso, mestre, não precisa ficar nervoso. De mais a mais, a nossa amiga aí merece a honraria.

O velho virou-se de novo para a moça de belas formas, que já pagava suas compras absolutamente constrangida.

E eu fiquei na minha. Para uns, eu fui o pacifista que controla seus nervos. Para outros, um covarde que arregou para o velho mirrado.

Não importa, dos males possíveis, foi o menor.

Depois de pagar suas compras, meu quase oponente ainda sussurrou pra mim ao sair:

_ Fica na paz, irmão.

Fiquei.


Foto: Marcelo Migliaccio
Acho o embate físico entre duas pessoas de uma animalidade constrangedora

Comentários

  1. Pois é, coisas da vida. Quando um não qué dois não brigam. Decisão sensata.

    Comentário do Sergio. porém no blog da minha filha.

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  2. Outro dia na fila do caixa de um mercado caríssimo de Laranjeiras, parei atras de uma moça com uma garrafa de coca-cola 2l, quando chegou a vez dela, ela virou para a fila chamou:
    -Vem amor que chegou a nossa vez.
    Eu imediatamente disse, a nossa vez nada, pois quando eu entrei na fila, você só tinha uma coca, agora aparece com um carrinho cheio ??
    Na minha frene nem pensar !! conclui.
    Ela resmungou, mas o namorido ao perceber que eu não dei mole e voltou para a fila dele, levando-a consigo.
    No mercado é comum as pessoas guardarem lugar para as outras, mas pra cima de moi, jamé !!
    Cury

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  3. Tinha uma faixa contra o " impicha " da Dilma num sobrado da Urca domingo à tarde , nem dei bola , fui tomar um café capuccino coxinha no Rio Sul ...

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  4. Pior são os espertinhos dissimulado. Entra na sua frente e vc nem percebe. Qdo acorda, tarde demais!!!

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  5. A moda é o casal se dividir em duas filas e depois correr para a que atender mais rápido. Seria isso uma pedalada "filal"?

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  6. É isso aí Marcelo. Nada de competição para ver quem ó o pior. Mas sempre deixar claro - como vc fez - para o "ixpertu" que vc percebeu a armação, a usurpação, o golpismo baixo rs. Aliás o país está vivendo este momento surreal, criminoso. Mas esta gentalha mais dia menos dia vai encontrar outro "ixpertu" para competir e o bicho vai pegar, a cobra vai fumar. O mal tem o "poder" de atrair o mal, algumas vezes. Os traficantes (e outros inúmeros tipos de meliantes/marginais) sabem disto...é uma querendo tomar o lugar ou exterminar o outro, p.ex.

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