Lauda e Hunt

Niki Lauda e James Hunt (os reais): uma bela rivalidade

Nunca gostei de automobilismo. Mas minha mãe conta que a primeira palavra (ou quase) que pronunciei na vida foi “car”, no colo dela, apontando um Sinca Chambord que passava. Recentemente, vi um fórmula 1 da Ferrari exposto num shopping e achei belíssimo. Já as corridas são pra mim uma coisa muito chata. Uma sucessão interminável e monótona de voltas e mais voltas. De vez em quando, tem uma ultrapassagem aqui, um acidente ali mas na maior parte do tempo me dá sono.

Quando eu tinha 12 anos, porém, acabei decorando os nomes de muitos pilotos da época, já que via muito televisão e isso era inevitável. Quando a gente é criança, presta muita atenção em tudo. Para você ter uma ideia, eu sabia a escalação dos 12 times que disputavam o Campeonato Carioca em 1975, muito em função de minha paixão pelo futebol de botão. Mais que o ronco dos motores,  gostava mesmo era de bola rolando...

Mesmo não assistindo às corridas, eu conhecia a fisionomia de Jack Stewart, Emerson Fittipaldi, Clay Regazzoni, Ronnie Peterson, Carlos Reutman e Niki Lauda, entre outros pilotos da época. Sena, Prost, Piquet não existiram pra mim, mas até hoje lembro do Mario Andretti e do Vitorio Brambilla. Chocado, acompanhei o terrível acidente que quase matou Lauda em 76.


Romantismo setentista: uma Tyrrell de seis rodas
É justamente sobre esse piloto austríaco _ e sobre seu grande rival, o inglês James Hunt _ um excelente filme que entrou em cartaz aqui no Rio. Rush é um primor de reconstituição de época, direção, interpretação e roteiro. Um daqueles filmes perfeitos, com nada fora o lugar, que não deixam ninguém na platéia se mexer na cadeira até que entrem os créditos finais. Porém, os mais sensíveis, que não resistem à foto de uma tartaruga devorada por urubus, devem se prevenir para a cena em que Niki Lauda é submetido a uma aspiração nos pulmões. Vale, no entanto, o prazer de rever uma Tyrrell de seis rodas!

Até o autódromo de Interlagos é recriado, com mulatas de escola de samba requebrando-se entre os carros pouco antes da largada. E volta à memória o Copersucar, o carro de fórmula 1 fabricado pela ditadura militar brasileira. Produzido num período obscuro, o bólido amarelinho pilotado pelos irmãos Fittipaldi, talvez pelo seu pedigree, vivia na lanterna. E foi por causa da abrupta saída de Emerson da McLaren, que Hunt ganhou um carro competitivo para enfrentar Lauda.

Os estereótipos da mídia classificavam Lauda como o careta cerebral e Hunt como o doidão arrojado. Era mais ou menos isso mas o ótimo filme revela nuances que escaparam aos holofotes nos anos 70. Lauda também era muito louco em sua obsessão pela perfeição e Hunt na verdade não era tão destemido quando se apregoava, tanto que enchia a cara na véspera de tão nervoso e vomitava antes de cada corrida.

Na verdade, Lauda era um gênio na arte de acertar os carros, sabia ajustá-los melhor que os mecânicos. Hunt era o maluco que tinha coragem de ultrapassar naquele espaço em que nenhum outro piloto se arriscaria. Isso sem falar nas diferenças culturais e de comportamento entre um austríaco contido e um inglês espalhafatoso.

Lauda chegou a abandonar uma corrida na chuva pensando no que ele e a mulher já haviam passado. Hunt deixou que a sua fosse para os braços mais seguros do ator Richard Burton e não mudou uma vírgula no seu jeito de encarar a vida.

O passar do tempo tornaria essa dualidade ainda mais nítida. Hunt parou de correr dois anos depois da fatídica temporada relatada no filme e morreu aos 45 anos por conta dos excessos. Lauda está aí até hoje, trabalhando na F1, e ainda ganhou outro campeonato sete anos depois do acidente. Em certo momento, ciente de que o rival o estimulava, Lauda diz que Hunt precisava se dedicar para que a disputa continuasse. Ao que o outro responde: já fui campeão, agora vou curtir.

De que adianta arriscar tanto a vida  e não aproveitar o lado bom da grana e da fama?, questiona o inglês.

Apesar de desdenharem um do outro, eles eram altamente dependentes. Foi a insuportável imagem de Hunt no pódio que fez Lauda voltar às pistas 47 dias após quase morrer queimado num acidente. E foi Hunt quem tomou as dores do adversário quando agrediu o jornalista que perguntou ao austríaco numa coletiva se sua mulher continuaria casada com ele depois da deformação de seu rosto pelas queimaduras.

Repito que não suporto corridas, mas esse filme prende a atenção do início ao fim. Mais do que um mergulho no automobilismo dos anos 70, quando morriam em média dois pilotos todos os anos, Rush é uma viagem pela alma humana, pela vaidade, pelo companheirismo, pela força e pelas fraquezas que unem os grandes campeões e os mais anônimos dos mortais.


Comentários

  1. Assisti muitas corridas na época do Senna, mas perdi o tesão por F!.
    Alias os esportes considerados de rico não me despertam o menor interesse, ex:tênis, golfe, F1, hipismo/equitação, entre outros

    Cury

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  2. Acabo de identificar mais um ponto comum com o Marcelo. Um pouco por pensar também como o Cury em relação aos esportes para rico e principalmente por considerar a Fórmula 1 mais uma competição tecnológica que um esporte. Hoje mais do que nunca, ganha quem tem o melhor carro. O Senna se dizia um esportista nacional, mas dava entrevista em inglês, ganhava em dólar e vivia em Mônaco, e por tudo isso nunca dei muita importância para a sua carreira e muito menos para o dramalhão em que se transformou a sua morte. O lema do L'Equipe, um dos maiores jornais dos esportes do Mundo é justamente "Le quotidien du sport et de l'automobile" mostrando que são duas coisas distintas. Portanto, não liguei muito para o filme Rush, mas acho que depois dessa vou até dar uma olhada.

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  3. Caros, eu lhes asseguro que vale a pena ver. Abraços

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  4. A melhor época do automobilismo foi mesmo os anos 70 e 80. Depois foi perdendo a graça.
    Agora, talvez o filme seja melhor que uma corrida pela TV.
    Sergio.

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  5. Mauro Pires de Amorim.
    Sei que cada pessoa tem suas preferências e seu estilo e respeito isso, pois um mundo de clones seria muito insosso, mais do que já é.
    Assim, desde criança, nunca tive muito tempo para televisão, principalmente após ingressar na escola, coisa que fiz desde cedo, já que meus pais precisavam trabalhar e por isso concluíram que a escola seria o melhor e mais seguro lugar para eu estar boa parte do expediente diurno. E seguindo tal lógica, quanto mais avançamos na vida escolar, mais os estudos e a complexidade das matérias nos tomam tempo dentro das 24 horas diárias e o tempo para o lazer e inclusive a televisão fica em segundo plano, mesmo durante os finais de semana, afinal, a pessoa já passa os dias úteis da semana inteira naquela rotina de expediente, horários de responsabilidade prioritários e que por vezes acabam entrando pelos finais de semana, já que, a partir da 6ª série, atual 7ª, vez que, o antigo CA, virou 1ª série, fazendo com isso, que a nomenclatura numérica das séries fosse acrescida em um número a mais, pois as mudanças no Brasil, são feitas apenas para embelezamento do pavão, para inglês ver, para mostrar serviço de que se trabalha, enquanto que, quem acredita nisso bate palmas iludido que o Patropi está melhorando.
    Pois bem, nessa época, eu tinha aulas aos sábados e portanto nos finais de semana, os únicos dias "livres" eram os domingos. E por vezes, nem tão livres assim pois era comum ter que estudar para fazer trabalhos adicionais às notas escolares. Você deve se lembrar desse esquema de horários escolares dessa época.
    Portanto, sempre que eu tinha tempo livre, o que menos queria era ficar enfurnado em algum lugar, portanto, eu ia para a rua, para a praia, para os parques. Até hoje sou assim e não tenho a menor tendência para, nos tempos livres, ficar enfurnado em lugar algum.
    Esse lance de claustro, monastério e convento é para quem tem essa tendência e vocação. e por isso está com a vida que escolheu. E como a televisão ficava em casa, de jeito algum eu queria ficar enfurnado em frente a ela. Pois caso contrário, acabaria virando um fungo ou cogumelo de quatro paredes.
    Então, tanto nessa época, assim como hoje, televisão não era nem vem a ser o meu forte, mas lembro desses pilotos e outros acontecimentos daquele tempo, pois lia pelos jornais, pois naquela época, assim como hoje, se fosse mantida a mesma diversidade de imprensa impressa em papel, os jornais, podem ser mais facilmente transportados e requeriam menos preocupações do que as atuais quinquilharias eletrônicas que nos permitem a sintonia com a "modernidade".
    Felicidades e boas energias.

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    1. Ate os 7 anos, eu via mais Tv que brincava na rua, depois dessa idade a coisa se inverteu até que chegou um tempo em que eu quase não via televisão. Abraço, Mauro

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