Febre do Rato

Eu já simpatizava com o cineasta Claudio Assis antes mesmo de assistir ao que considero seu melhor filme, Febre do Rato, que está em cartaz atualmente.

Gostei do cara quando vi que ele diz o que pensa e o que sente, como fez durante a premiação de um festival de cinema, sem ligar para o que as panelinhas e confrarias de compadres do Sudeste iriam achar dele.

O fato de Claudio Assis ser pernambucano também criou entre nós uma empatia, porque acho que o povo daquela terra é o que mais se parece com o carioca, inclusive, e principalmente, pela sua quixotesca insolência.

Com Febre do Rato, Assis provou mais uma vez sua coragem, como já fizera em Amarelo Manga, mas agora mostrou toda a sua veia poética e seu talento como cineasta.

Mostrou, principalmente, que tem algo a dizer numa época em que filmes comerciais como E aí, comeu? enchem os cinemas de shopping center.

Febre do Rato é um filme corajoso não só por ter sido feito em preto e branco, mas também pela temática que envolve transgressão, prazer, gozo, poesia, inconformismo, subversão. Mostra uma Recife suja, mas pulsante e convidativa. Exibe um Brasil underground, que não está na televisão nem nos cartões postais, mas que está por todo canto. Tira da sombra gente que não tem vez nas superproduções, mas já é maioria.

Num tempo em que Gabriela, personagem de Jorge Amado foi transformada em mais um pastiche televisivo, onde uma retirante nordestina aparece em cena com cabelos cuidadosamente tratados e a pele cheia de cremes, Claudio Assis veio nos redimir.

Apesar de sugerir influências de Fellini, Fassbinder e Buñuel, o cineasta fez um filme com a sua marca. Bebeu em várias fontes mas foi autoral ao extremo, deu seu recado, e um recado que só ele poderia dar.

E ainda resgatou Angela Leal e Maria Gladys, que se juntaram ao excelente elenco para completar o clima que prende o espectador num filme meio sem enredo definido, sobre pessoas, sobre estados de espírito, sobre relações humanas. Um filme com personagens à flor da pele, como se diz na gíria pernambucana, "na febre do rato", que significa com um tesão, não só sexual, mas de viver, incontrolável.

Um filme que impressiona.

Comentários

  1. Claudio Assis sem dúvidas, tem seu talento ratificado á cada novo filme. As criações anteriores, sobretudo, Baixio das Bestas, são obras de rara beleza escatológica, que, bebem, de fato, no Expressionismo dos diretores, citados por você, todos, com obras geniais, desnecessário afirmar. Ademais, os atores escalados por Assis para interpretar suas criações, via de regra, têm formação acadêmica e vivencial no teatro, geralmente, experimental, ou, quando nada, não comercialóides. Certamente, assistirei ao u´ltimo ato, por ora, dessa trilogia imagética.
    Vale dizer que o pólo cinematográfico de Recife,há algum tempo, vem nos presenteando com belos filmes, sendo o Baile Perfumado, um dos primeiros. Seu criadores, parecem-me optar pelo drama, ao contrário da dramaturgia baiana, também, de qualidade, nitidamente, co opção preferencial, pela comédia.
    Ao contrário de sua percepção, considero o baiano, como o carioca, com sotaque diferente. São leves como nós, de fácil contato,cordiais e amistosos. Morei quase dois anos na Bahia, sentindo-me em casa. Recife, conheço apenas como turistas, e na capital, pelo menos, a ansiedade das pessoas, está muito próxima dos paulistanos.
    Quanto ao inescapável gênero femenino, a baiana transpira sensualidade e morenice que encantam e seduzem quem com elas relaciona-se.

    Antonio Carlos

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    1. Sim, por esse lado, concordo com sua análise de baianos e pernambucanos e semelhanças com paulistas e cariocas.

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  2. Vou aproveitar a dica e assistir esse filme no final de semana.
    Valeu pela sugestão !!

    Cury

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  3. Li esse texto,e Fui ver amarelo manga.
    Sem dúvida é um filme diferente.
    Sergio.

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  4. Cláudio Assis estava em Florianópolis, promovendo o lançamento de Febre do Rato e ouviu de um admirador local - "Tu diz que não é gay (na verdade, a palavra era mais forte), mas tem sempre um em teus filmes."

    Sim, e héteros, e homens e mulheres, e brancos, e negros, e mamelucos. Cláudio Assis faz cinema pela tolerância, contra os preconceitos. Bravo!

    No filme, um "poetamalucobeleza" cria uma comunidade de iguais, onde rola sexo, drogas , poesia, anarquia e álcool, sem violência. É uma apologia da vida livre e desregrada. Evoca Dioniso, o cinema marginal dos anos 1970 e o teatro bacante de Zé Celso Martinez Corrêa. Durante toda a filmagem, eu so me lembrava dos ótimos trabalhos que vi do Zé Celso no seu singular e ousadíssimo Teatro Oficina. Para poucos, também. Mais...nem sempre é melhor. Menos, muits vezes é mais, em qualidade.

    É um filme na contracorrente do cinema brasileiro atual. Ainda bem.

    Simplesmente imperdível, para quem aprecia arte de verdade, sabendo que destarte(sem trocadilho...), ela é transgresora e transformadora.

    Caretas de plantão, curtidores de novelas melosas, matronas pudibundas, fascistoides reacionários e tais e quais, passem looooooonge da sala, posto que este é filme proibidíssimo para vocês. Quem avisa...

    É o melhor dos três longas de Cláudio Assis. Por não ter meias medidas, Claudião, como é chamado, carrega várias etiquetas - transgressor, radical, machista.

    Transgressor, ele é, machista, não se crê. E já houve quem o chamasse de moralista às avessas. "É o c...", ele dispara. "A sociedade está muito careta", avalia. Concordo pletoramente. E acrescento:bem mais infeliz.

    Como não se enquadra nos modelos palatáveis de comportamento nem de cinema de mercado,(que não assisto), então desconcerta - no mínimo.

    Recomendadíssimo para poucos que terão o privilégio gozoso de saboreá-lo.
    Bola dentro seu ótimo comentário, corajoso blogueiro.
    Marcos Lúcio.

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  5. Vou assistir, até por que gostei muito do termo "quixotesca insolência", serviu-me dos pés à alma...

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    1. Cuidado, não é um filme convencional, lembra aqueles curtas universitários dos anos 70...

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