O minuto eterno

 Minha mãe se esvai. Ontem, ela me levava pelo braço por uma rua de Ipanema para pela primeira vez na vida comer uma feijoada. Hoje, magérrima e confusa sobre a cama, fala frases inacabadas e palavras inexistentes. Logo ela que me ensinou as coisas mais importantes da vida, como olhar para os dois lados antes de atravessar a rua. Virou um bebê mais indefeso do que aquele que um dia deu à luz. Mas isso foi há mais de 50 anos. Dizem que a vida passa rápido.

Acho que a vida não passa, quem passa somos nós. O tempo cumulativo é uma convenção humana. Uma forma de enganarmos a nós mesmos usando a falácia das datas. O que existe é sol e lua, dia e noite, sem lógicas, só acasos. A vida é um minuto. Esse. Não há passado a não ser na memória. Não há futuro, só o presente.

Ontem eu olhava, com olhos marejados da mais genuína emoção, minha filhinha dançando no meio da sala ao som de uma música infantil. O meu peito explodindo de felicidade mas curiosamente também tomado por uma melancolia. Eu no fundo sabia que aquele momento se tornaria o que é hoje. Lembrança.

Minha filha está com 30 anos, eu com 60, minha mãe com 87. Datas. A ditadura das datas, dos dias, dos meses, dos anos. Mas a vida é só um minuto.

Esse.