Por que esquecemos das cores?

 Olhando o azul turquesa da minha bicicleta, lembrei do momento mágico da primeira infância em que a gente descobre a maravilha das cores. Uma criança olha fixamente não um objeto mas a sua cor. Admira, se enleva, viaja naquele primeiro e inesquecível encontro com cada uma delas, com o amarelo, o verde, o azul e todos os tons possíveis num arco-íris infinito.

O vermelho de um tomate. Não, não é hora, ainda, de observar um tomate mas a cor do tomate. O azul do céu, diferente do azul do mar e do cinza do mesmo céu no dia seguinte. A cor daquele carro que vai, do tanque de combustível da moto que vem. O branco da ambulância, o vermelho do bombeiro, o mesmo do tomate, não aquele outro ali da galocha da menininha.

Sentados em círculo em volta da professora Raquel, ouvimos de olhos vidrados a história de Flicts, a cor que não tinha lugar no mundo. Eu tinha só seis anos e hoje, aos 60, não tenho dúvida de que aquele ainda é o livro mais marcante da minha vida.

No início de 1974, eu, com nove anos, queria ter uma TV a cores. No meu bairro, a única ficava num clube. Dezenas de crianças se reuniam lá para ver Batman. Como eu não era sócio do tal clube, perguntei ávido a uma colega de escola que tinha visto:

_ Que cor é a capa do Robin????

Quando meu pai comprou uma grande TV Phillips embutida num móvel para assistirmos à Copa da Alemanha, eu vi o campo de futebol, que para mim era cinza, tornar-se verde bandeira. E a camisa verde do Palmeiras, o cabelo amarelo do Leivinha... as cores, só elas, me bastavam. E a camisa linda do meu Fluminense que me fascinou ao vivo bem antes, agora também estava colorida na televisão.

Quando crescemos, banalizamos a beleza e o encanto das cores. Nem as notamos, a não ser para fazer uma reles indicação de localização. “Ali, atrás da mulher de rosa". Que injustiça, que ingratidão aquelas que primeiro nos mostraram que a vida é bela. Mas, hoje, aos nossos olhos de adultos ocupados, apressados, estressados, tudo parece ter ficado preto e branco.

Foto: Marcelo Migliaccio


Comentários

  1. Perfeito! De fato o brotamento das cores na TV foi um acontecimento. Me perguntava o porquê do cinema ser colorido e a TV, preto e branco. Como meu time. Lembro das imagens borradas com excesso de cores. Como se as pessoas quisessem se lambuzar daquilo que era raro. Uma viagem no tempo e no arco-íris.

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  2. Amei essa reflexão, muito sensível! As cores nos trazem vida e emoções, que a gente volte a ver o mundo colorido!

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