Bem-te-vi, rei do Brasil

Até os oito anos, eu nunca tinha visto um bem-te-vi. Morava numa rua movimentada e poluída onde só apareciam rolinhas e pardais. E mesmo se essas duas espécies ditas menos nobres cantassem, eu não ouviria, porque o barulho dos carros e ônibus, já naquela época, final dos anos 1960, emudecia os pássaros por ali. Só quando me mudei para um lugar mais tranquilo conheci esse que seria o pássaro mais presente na minha vida. E acredito que na vida de todos os brasileiros porque por todos os lugares que viajei, de norte a sul deste país gigantesco, o bem-te-vi estava sempre presente.


Foto: Marcelo Migliaccio

De tanto observá-lo, fosse na Floresta Amazônica, na Mata Atlântica carioca, na cinzenta São Paulo, no Planalto Central ou nas cachoeiras de Foz do Iguaçu, comecei a me informar sobre esse pássaro dominante. Não é grande como o sabiá, não é delicado como o beija-flor, não é belo como o tiê-sangue, não canta como o canário... então por que seria ele o rei do Brasil?

Foto: Marcelo Migliaccio

Logo de cara, descobri que o bem-te-vi é o único dos passarinhos que enfrenta o poderoso gavião.

Foto: Marcelo Migliaccio

E não é só isso. Os sagüis, praga estrangeira que prolifera em todo o Brasil e come os ovos de todas as espécies de passarinhos, não encontra boa vida quando topa com bem-te-vis. Já vi várias vezes os amarelos dando rasantes sobre os fios de alta tensão no encalço de micos que fugiam desesperadamente.

Foto: Marcelo Migliaccio

O bem-te-vi também se destaca pelo seu canto potente, onomatopéico. A plenos pulmões, eles anunciam o próprio nome aos quatro ventos. Acho que a primeira coisa que eu ouvi quando mudei para o bairro da Urca, naquela inesquecível tarde do verão de 1971, foi o grito do bem-te-vi. Sim, porque esse passarinho não canta, ele berra. É uma hegemonia conquistada literalmente no grito. Não por acaso, na taxonomia, ele pertence à família dos Tiranídeos!

Foto: Marcelo Migliaccio

Seu nome científico é Pitangus sulphuratus, termo derivado do idioma tupi e que quer dizer papa-moscas amarelo. Aliás, sua dieta variadíssima pode ser a razão desse enorme poder. É capaz de devorar centenas de insetos num só dia mas também come ovos e até filhotes de outros pássaros. Também se alimenta de minhocas, pequenos crustáceos, peixes, girinos e carrapatos de bovinos e equinos. Fora frutas, é claro.

Foto: Marcelo Migliaccio


Muitos passarinhos têm cara de mau mas o bem-te-vi exagerou na caracterização. Usa uma máscara negra, que remete aos ladrões de histórias em quadrinhos, aos vilões de seriados antigos. Não é exagero, porque já foi visto até botando urubu para correr.

Foto: Marcelo Migliaccio

Então, quando você vir um bem-te-vi, é bom fazer uma reverência a essa potência da natureza, a esse símbolo do Brasil. Não só pelo seu valor intrínseco mas porque é sempre bom ficar bem com alguém tão forte e temperamental.

Comentários

  1. Muito legal essa história do Bem-te-vim, em frente a minha casa todo dia passa sempre uns cantando enquanto voa.
    Eu sempre que posso, vou pra janela contemplá-los.
    Sobre os Micos, aqui na Rua pedimos para os moradores não colocarem banana para eles comerem, porque isso os atrai, e depois eles não saem mais daqui.
    Algumas vezes, vem por aqui um bando de macaco prego, eles invadem as casas para "roubar" comida.

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  2. A casa da minha avó, em Botafogo, tinha quintal. Vira e mexe, ele era sobrevoado por bem-te-vi. De repente, vovó me chamava e pedia que a ajudasse a tirar roupa do varal:'Corre com isso, menina, porque vai chover". E não dava outra. E eu, que gostava de chuva, não parava de chamar pelo bem-te-vi, acreditando que ele ia se esconder no quintal.Mas nunca consegui tê-lo na mão.

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