Jornalismo, o crime que não compensa

Em 2010, o editor-chefe do Jornal do Brasil recebeu a ordem para demitir Manuel Borges Neto. Chamou aquele velho jornalista que há décadas cuidava da qualidade dos textos do jornal e ele entrou na sala já pressentindo o que viria, uma vez que a péssima administração da empresa fazia demissões mensalmente. 
 
_ O que houve? _ perguntou com aquele sotaque lusitano que sempre nos socorria na hora dos percalços gramaticais.

_ É que... a direção mandou fazer mais cortes.

Sem alterar o suave tom de voz ou mesmo demonstrar qualquer animosidade contra seu algoz involuntário, Borges perguntou se, de alguma maneira, não poderia ficar pois sustentava ainda uma das filhas e a mulher:

_ Pode baixar meu salário, me pague mil reais que sejam para que nós possamos nos alimentar.

O editor olhou aquela figura frágil, de rosto marcado pelos anos e anos de redação, naquela camisa poída, usando um sapato desgastado e...

_ Deixa pra lá, Borges. Vamos voltar ao trabalho, meu caro.

Naquele momento, o editor-chefe sentiu-se como o caçador da história da Branca de Neve, incumbido pela rainha má de matar a mocinha, mas que na hora se compadece e a deixa fugir.
 
Manuel Borges Neto

Meses depois, o demitido foi o próprio editor, que não servia mesmo para o insensível capitalismo. E o nosso estimado Borges continuou bravamente combatendo o bom combate até o fim dos seus dias.

Agora, ele se foi para sempre. E eu me considero um privilegiado por ter convivido o mais tempo que pude com o honrado Manuel Borges Neto.

O Jornal do Brasil havia parado de circular em papel naquela época (agora voltou, com outro dono). Existia então apenas na internet. Era, em sua eterna crise, um retrato da profissão de jornalista nas grandes empresas privadas, verdadeiras máquinas de moer gente.

Foto: Marcelo Migliaccio
A redação do Jornal do Brasil vazia após o fechamento da última edição em papel, no ano de 2011

Comentários

  1. Antes mesmo de ter um relacionamento (namoro e casamento) de 7 anos com uma revisora do Globo, sempre admirei essa profissão.

    Confesso que não conhecia o Manuel Borges Neto, mas todos estão falando tão bem dele, que mostra bem o quanto querido ele era.

    Ele deve ter ajudado muita gente a escrever melhor, isso não tem preço.

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  2. Na sua primeira passagem no JB, Borges acabou demitido quando restava pouco mais de um ano para a aposentadoria. Retornou e cumpriu o ciclo que permitiu a segunda humilhação.

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    1. Foi muito triste esse episódio, talvez o mais triste que vivi na minha carreira em redações.

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  3. Um drama repetido muitas vezes nas redações de jornais dirigidos por seres insensíveis e cruéis.

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