A estátua do ditador
O Rio é a capital mundial das estátuas. Do jeito que a coisa vai, um dia todo mundo terá uma estátua na Cidade Maravilhosa, até eu e você. Não sei de onde vem essa mania dos governantes daqui de plantar totens de bronze em quantidade. Só sei que os cachorros e os pombos agradecem. Também digo "muito obrigado", porque adoro fotografar estátuas (não há risco de se mexerem ou piscarem bem na hora do clique). Só que outro dia, escondida num canto do bairro do Leme, descobri uma que é diferente de todas as outras. Uma estátua isolada, impopular, condenada à solidão eterna.
Não convida a um aperto de mão como o baiano tranquilão Dorival Caymmi...
... nem a um trago como Ari Barroso.
Não é famoso mundialmente como o Cristo Redentor, eleito uma das maravilhas do mundo moderno.
Assista:
Um poeta mineiro perdido em Copacabana
Nem de longe, o homenageado em frente ao Forte do Leme tem a popularidade de Carlos Drummond de Andrade, sempre cercado de turistas. Pudera, aquele homem nunca foi poeta.
... nem a um trago como Ari Barroso.
Não é famoso mundialmente como o Cristo Redentor, eleito uma das maravilhas do mundo moderno.
Não está no coração do povo como as músicas de Tom Jobim.
Quando esteve no poder, aquele homem jamais celebrou a cultura...
Ou a fraternidade...
Não, ele não foi um pensador.
Foi um ditador. O primeiro presidente militar após o golpe de 1964. Talvez por isso esteja eternamente condenado a uma posição de sentido.
Pode ser que o papel em sua mão direita seja o Ato Institucional número 2, que extinguiu o pluripartidarismo no Brasil.
O comandante supremo das Forças Armadas tinha um poder absoluto sobre as tropas que reprimiam os brasileiros.
Na sua cabeça, ele se achava no direito de cassar mandatos de parlamentares, de abolir as eleições diretas e de seguir as determinações do governo dos Estados Unidos. E fez mesmo tudo isso. Agora, os pombos fazem outra coisa em cima dele.
Nem o almirante Noronha, herói da guerra do Paraguai, que está a 200 metros, quer saber de olhar pra ele.
Clarice Lispector olha...
... mas o que será que ela pensa?
Hoje, só os cachorros se aproximam dele, para sujar seu nome ainda um pouco mais.
Um poeta mineiro perdido em Copacabana
Se não fosse o Forte do Leme, a estátua desse déspota com certeza já não estaria mais lá a muito tempo.
ResponderExcluirCury
Bela interpretação sobre as estátuas
ResponderExcluirMuito bom.
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