Fla-Flu

Se eu tivesse uns 13 ou 14 anos estaria eufórico. Semana de Fla-Flu era especial. A ansiedade ia crescendo e culminava com 90 minutos de emoção. E o clássico se prolongava pelos dias seguintes, com as gozações na rua, a lembrança de cada lance que tornara aquela mais uma batalha épica dos eternos rivais.

Fla-Flu sempre foi festa, diferente de outros clássicos, marcados pela animosidade. Era ali a rivalidade entre pai e filho, entre vizinhos da Zona Sul do Rio. A turma da Gávea contra a turma das Laranjeiras. Um jogo colorido. Isso, um jogo colorido.


O ingresso de um Fla-Flu era um troféu a se guardar

Mas era outra época. A diferença básica é que os jogadores eram identificados com seus clubes. O Zico era o Flamengo, o Fluminense era o Carlos Alberto Pintinho, que o próprio craque maior da Gávea declarou ter sido seu melhor marcador. Cada clube tinha os seus jogadores, não havia essa ciranda mercenária e irreal de hoje. O amor à camisa pendurou as chuteiras junto com Liminha, Félix, Merica, Denílson. Até com salário atrasado eles corriam. Agora, mesmo os garotos que vêm das divisões inferiores só pensam no dia em que pegarão um avião e se mandarão para a Europa. As empresas bancam salários absurdos, anabolizados pela verba da TV, que alavanca grandes patrocinadores e deixa os estádios quase sempre às moscas. Quanto ganha um professor? Um policial? Os craques faturam R$ 700 mil, R$ 1 milhão. Quem ganha R$ 1 milhão por mês nunca vai dar o sangue pelo time. Com um salário desses não se ama a camisa, só a camisinha.

Os atletas de ponta hoje são alimentados a pão de ló. Não por acaso, o melhor jogador do Campeonato Brasileiro é o obeso Walter, do Goiás.

Vi o documentário Fla-Flu - 40 minutos antes do nada e senti imensa nostalgia de um futebol que não existe mais. Embora os torcedores mais velhos tentassem em seus depoimentos fazer crer que a chama ainda está acesa, o Fla-Flu não é mais o mesmo porque os clubes não existem mais a não ser para alugarem seus lendários uniformes para empresas fazerem propaganda. Num dos trechos do documentário, é mostrada a comemoração dos jogadores do Flamengo ao final da decisão de 1963, contra o tricolor. Diante de inacreditáveis 194 mil pessoas, a alegria dos atletas rubro-negros, pulando e dando cambalhotas como crianças é impensável hoje em dia. Na era do Cifrão Futebol Clube, o jogador vibra pela glória pessoal, pela chance de ganhar mais dinheiro em outro clube na próxima temporada. Antes, eram torcedores de chuteira defendendo suas bandeiras com o coração. Agora, não há o menor vínculo afetivo. O triste é que os momentos mais emocionantes do filme se passam num Maracanã que não existe mais, transformado hoje numa fria arena onde o povão não tem grana para entrar.

Sou do tempo em que os jogadores tinham identificação com os clubes, do Zico contra o Rivelino


Domingo tem Fla-Flu e, francamente, eu não estou nem aí. Talvez eu esteja ficando velho, porque a impressão que tenho é que os jovens de hoje se contentam com esse futebol porque não conheceram a magia do outro.

A imprensa vai fazer tudo para dizer que a mística do clássico ainda está viva, mas é forçar a barra para vender um produto como outro qualquer, a novela das seis ou o novo reality show, por exemplo.

Totalmente subordinado à emissora de televisão que detém os direitos de transmissão dos jogos, o futebol hoje é um espetáculo eminentemente televisivo. Os horários são proibitivos a quem trabalha no dia seguinte. Quem pode chegar em casa à 1h de quinta-feira se precisará levantar cedo dentro de poucas horas? E para que gastar dinheiro e tempo se o jogo é exibido ao vivo em TV aberta para a própria cidade onde se realiza?

Aliás, até na TV está difícil ver futebol hoje em dia. Como aturar comentaristas que chamam estádio de "equipamento", craque de "jogador diferenciado" e passe de "assistência"?

Mas o pior é quando dizem que o jogador Fulano de Tal (hoje todos têm dois nomes) "vai buscar a titularidade".

Vai buscar onde, amigo, no cartório?

Que saudades do Saldanha, do William Prado e do Nelson Rodrigues, para quem, aliás, "tudo é Fla-Flu, o resto, paisagem". Era.



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Comentários

  1. "Mas o pior é quando dizem que o jogador Fulano de Tal (hoje todos têm dois nomes) "vai buscar a titularidade".

    Vai buscar onde, amigo, no cartório?"

    Chorei de rir!!! Muito boa a sacada.

    Abs!

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  2. A impressão q eu tenho, é q na industria futebolistica, pasteurizada, padronizada, globobalizada de hoje em dia, os apelidos do jogadores brasileiros não são bem vindos por não serem entendidos e assimilados pelo publico estrangeiro...

    Torelly

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  3. Acompanho o Flamengo desde os anos 80 e mesmo em sua fase áurea, os jogos contra o Fluminense sempre me causaram calafrios.

    Cury

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  4. O documentário é mesmo muito bom, nostálgico, sem dúvida. Excelentes depoimentos de ambos os lados. O sósia do Hugo Carvana, uma figuraça de nome Desirée, rouba a cena ao contar que perdeu a cerimônia de seu casamento por causa de um jogo do Fluminense. A patroa perdoou, mas dizem a boca miúda que ele lava, passa, cozinha, faxina toda a casa, vestindo um avental vermelho e preto.

    Toda mulher é flamenguista na hora da vingança!

    Se o futebol de hoje nos entristece, ficamos mais tristes ainda quando mais um sonho de futebol é calado traiçoeiramente por uma bala perdida.

    Domingo, um minuto de silêncio por Kayo da Silva Costa, menino de 8 anos alvejado na porta do fórum de Bangu - RJ, a caminho do treino na escolina de futebol.

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  5. Acho legal recordar, mas sem ser nostálgico. Já assisti muitos jogos no Maracanã, alguns com mais de 100 mil pessoas e como já disse neste fórum anteriormente, em relação à estrutura do estãdio, não sinto muita saudade desse tempo. A geral, por mais que nos permitisse assistir o jogo de perto, era altamente desgastaste e só víamos parte do jogo se ficássemos na ponta do pé. Quando ouço alguém dizer que sente falta de ver aqueles negros desdentados na geral acho de uma hipocrisia absurda. O que eu gostaria de saber e que aquele cidadão hoje assiste o jogo sentado e de dentadura nova. Sou professor universitário e dificilmente consigo colocar 50 alunos em sala. Se o cara coloca 50 mil para assisti-lo certamente vai ganhar mais do que eu, assim funciona o sistema capitalista, ou mudamos o sistema ou nós conformamos com isso, ou agimos com o tradicional complexo de vira-latas e mudamos de Pais. Certamente em Cuba a coisa não funciona assim.. Faltam alguns ajustes nos novos estádios, principalmente em relação ao preço, mas, que podem ser resolvidos com boa vontade. Quanto a magia do estádio, certamente é diferente, mas confesso que na primeira vez que fui ao novo Maraca vibrei como antes e por coincidência, era um Fla Flu que o Mengao venceu por 3 x 2, afinal, seja no novo ou velho Maraca, sempre fui pé quente.

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  6. O problema não foi o fim da geral, foi o fim do ingresso a preços populares. Hoje se vê o jogo melhor, apesar dos pontos cegos que a Justiça parece estar apurando. Mas é para poucos.

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  7. Tem um detalhe a ser considerado,muitos jogadores sabem que assim que o futebol deles não der mais o que costumava dar,são prontamente descartados pelos clubes,o que desestimula o amor à camisa,hoje fica tudo na base do quem dá mais.

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