O Roxy foi

O último cinema de rua de Copacabana acabou. O lendário letreiro de 1939, moderníssimo para a época e ainda hoje, vai sair de cena. A pandemia foi cruel mas a miséria que reunia mendigos na entrada, afastando o público, vem de longe e aumentou agora no governo fascista neo-liberal. Com o fim do Roxy mais uma parte dos momentos felizes de milhares de cariocas fica entumecida. "Tudo tem que acabar um dia", como disse John Lennon quando os Beatles se separaram.

Foto: Marcelo Migliaccio

No Roxy eu pedalei uma bicicleta nas nuvens com ET, corri atrás da arca perdida com Indiana Jones, dei gargalhadas com Jerry Lewis e curti um barato viajando no Último Concerto de Rock. Flertei com as cocotas da fila, comi Frumelo, Mentex e bala Soft, que quando descia e parava na garganta fazia a sessão de cinema virar uma agonia. O tempo não passa, quem passa somos nós.

Foto: Marcelo Migliaccio

As coisas vão mudando, os cabelos rareiam, a vista cansa, a barba fica branca... melhor parar por aí senão daqui a pouco estou comprando Viagra. O Maracanã foi destruído, as amendoeiras da minha infância foram devoradas pelos parasitas, o que era uma viagem infinita virou uma contagem regressiva para o final imprevisível. Previsível nessa vida, só que o cinema vai virar igreja evangélica. Sai 007, entra o bispo Macedo; no lugar de Tarzan, Malafaia; Woody Allen? Não mais, Valdomiro Santiago...

E que nomes lindos os cinemas de rua tinham. Roxy, Rian, Ricamar, Super Bruni 70, Imperator, Veneza... agora, as salas de exibição padronizadas dos shopping centers, além da frieza e do preço absurdo, padecem da falta de imaginação nos nomes. É Cinemark, Kinoplex, Arteplex. Credo.

Falei do Veneza, e lembrei que foi lá, aos 13 anos, que entrei andando de costas pela porta de saída da sessão anterior, uma técnica ensinada por um amigo. Levei alguns safanões mas assisti de graça a Inferno na Torre. E quem nunca foi estelionatário um dia, falsificando a carteira de estudante para ver filmes proibidos, que atire a primeira pipoca.

Lembranças, lembranças, que a cada dia ficam mais amareladas como os velhos filmes de faroeste. 

Mas apesar da crueldade da existência, ainda não chegamos ao The End. Estamos vivos nem que seja para cultivar nossas melhores lembranças em redomas inexpugnáveis. Essas nos acompanharão, felizmente, até que nos transformemos numa luz no coração de cada um daqueles que nos amaram.

Foto: Marcelo Migliaccio

Comentários

  1. Rabugento O'Terryvil

    A maior tristeza é isso. Esses antigos teatros-cinemas, depois do final dos anos 80 e início dos anos 90 começaram a morrer em termos de espaços existenciais ou espaços físicos para espetáculos com palco, assentos para platéia nas dinâmicas de teatro e cinema e outros eventos similares, como convenções, palestras, formaturas de turmas.....etc.
    E isso se deu por conta dessa visão imediatista brasileira, que não sei se é culpa do neo-liberalismo, mas, sim, da forma em que no Brasil, se chamam de neo-liberalismo. Digo isso porque em países de 1º e 2º Mundos, exemplos e experiências de ponta de nossos conceitos ocidentai, tais como EUA, Europa, Reino Unido, Comunidade Britânica, esses teatros-cinemas continuam existindo como espaços multi-culturais e multi-utilitários nas dinâmicas de suas capacidades e instalações físicas e acomodações de eventos relacionados.
    Mas, como disse antes, desde o final da década de 80 e início da de 90 e mesmo antes, esses espaços fisicos já estavam sub-utilizados por uma serie de razões, que vão desde a postura do grupo administrador, falta de outros produtores e investidores de projetos e contratos pontuais de eventos. Sendo, absolutamente usados somente como cinemas. E dessa época para cá, com a expansão da internet, tv à cabo, mesmo os teatros usados como cinemas, foram esmoecendo e nessas épocas passadas do final dos anos 80 e início de 90, já as transformações físicas desses prédios ou oartes de prédios, sub-divididos em salas de cinema 1, 2, 3....., já mostrava que o público humano para o ritmo de velocidade do tempo nas 24 horas diárias e dias da semana disponíveis para "ir ao cinema" dianre da velocidade da produção audio-visual, já não era compatível.
    Fora isso, as igrejas do "novo clero brasileiro", com seus privilégios tributários desde a Constituição de 1967/69 e continuado na Constituição de 1988, arremataram vários desses espaços para realizar suas produções exclusivas.
    Aqui na Cidade do Rio de Janeiro, talvez o único remanescente que continue com certa característica de espaço de uso multi-cultural, seja a atual Sala Baden Powell.

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    1. Rabugento O'Terryvil

      Apenas um breve adendo ao meu comentário anterior. O conceito de áudio-visual em seu mais simples sentido etimológico, diz respeito aos 2 sentdos básicos que nós humanos enquanto criaturas vivas e bio-existentes também temos. A visão e audição. E isso pode ser feito ao vivo no local onde o evento que se vê, assiste e ouve, escuta ocorre, com presença física ou através de sistemas de tele-comunicação. Que, desde a era do rádio, ou antes, com aparelhos de toca-discos e toca-cilindros de resina, dos primórdios do princípio da da era científico-tecnológica-industrial do final do Século 18 em diante. E em décadas mais recentes, com a tv, posteriormente, cds, dvds, tv à cabo, internet, PCs, wireless, telefonia celular, andróides e sistemas nas empresas de rede de distribuição dessas dinâmicas, com produções adequadas, até de arquivos ou broadcasts disponíveis aos assinantes, disponibilizados e planejados.
      Mas para isso tem-se que estruturar nesse sentido de percepção, compreensão, entendimento. Inclusive, em termos conceituais das leis inerentes à todas essas dinâmicas de produção. No Brasil, infelezmente, não se tem essa percepção etimológica de produção, não apenas nessas enormes e variadas áreas e estilos de áudio-visual, mas no sentido quase infinito e infindável da produção em termos científicos-industriais-econômicos-tecnologicos e de consumo, igualmente e também em sentido amplo se chama de mercado e em amplo sentido, das infinitas e infindáveis áreas e campos de produção, que, como tudo que nós humanos criamos e temos desde primórdias eras de cerca de 60 mil anos atrás e se baseia no conhecimento, no estufo, aprendizado, na ciência e por aí, o aprimoramento e desenvolvimento das tecnologias aplicadas, vez que, de 60 mil anos atrás até hoje, o que mudou, foi que, nossas sociedades se tornaram cada vez mais diversificadas, difratadas dm termos desenvolvimentos e produções, diversidades de bases no conhecimento, aprimoramento, científico-tecnologico. No mais, seja há 60 mil anos atrás ou hoje em dia, o tempo continua tendo as mesmas 24 horas, os meses e anos os mesmos dias e noites. E a questão é conciliar o conhecimento, ciencia-tecnologia com o tempo e nossas bio-caracteristicas de criaturas vivas existenciais.

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  2. O Cinema Leblon, também na rua, está em obra há seis anos. E ela foi concluída. Mas o prédio virou um mix de cinema e escritórios modernos, belíssimos, em vidro, transparente. Mas está às moscas. Em tempos de home office ninguém quer investir milhão e oitocentos em escritório algum. O Roxi, de tantas histórias, dentro e fora da sessão, equivale a uma Adega Fiorentina, um Cervantes, um Circo Voador. Morrem eles e a gente morre um pouco também.

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  3. Tudo caminhando a passos largos enquanto nós queremos ir devagar, apreciando a paisagem e acalentando memórias de momentos onde a felicidade esparsa era mais presente.
    Podemos individualmente fazer nossas prece pedindo ajuda para nos desapegarmos?

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  4. Nós temos mea-culpa pelos fechamentos dos cinemas de rua, porque muitas vezes, por comodidade, preferimos os cinemas dos shopping.
    Eu li semana passada:
    " A Kinoplex, administradora do Cine Roxy, disse ainda não ter posicionamento nem sobre a possível venda do imóvel, nem sobre seu fechamento definitivo."
    Tomara que o Roxy se salve do fechamento

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  5. Desculpe minha falta de originalidade, mas diante de um texto tão valioso só posso tomar emprestado outro tão valioso quanto.
    "A arte de perder não é nenhum mistério;
    Tantas coisas contêm em si o acidente
    De perdê-las, que perder não é nada sério.

    Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
    A chave perdida, a hora gasta bestamente.
    A arte de perder não é nenhum mistério.

    Depois perca mais rápido, com mais critério:
    Lugares, nomes, a escala subseqüente
    Da viagem não feita. Nada disso é sério.

    Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
    Lembrar a perda de três casas excelentes.
    A arte de perder não é nenhum mistério.

    Perdi duas cidades lindas. E um império
    Que era meu, dois rios, e mais um continente.
    Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

    - Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
    que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
    que a arte de perder não chega a ser mistério
    por muito que pareça (Escreve!) muito sério.

    (tradução de Paulo Henriques Britto)

    One Art
    Elizabeth Bishop

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  6. Rabugento O'Terryvil

    Eu sei, eu sei! Vão dizer que a culpa é do rock'n'roll. A culpa é do punk, do pobre. Mas punk é um termo em inglês para pobre. E como a maioria do povo em cada sociedade é pobre, o povo é punk.
    E é possível ser punk, pobre, sem perder a coerência, ainda que políticos e governates, tentem enlouquecer o próprio povo, criar arruaça e furdunço social, com burocracias absurdas, colocar o povo para correr de um lado para o outro, entrar em filas intermináveis, gastar tempo e energias numa situação de pragas, pestilências, pandemia e com esse pandemônio de Estado e suas medidas e pronunciamentos esdrúxulos e depois dizer quea culpa é da "molambada".
    Esses recadastamentos que aas pessoas já anteriormente inscritas têm que fazer nos bancos, seja de sposentadorias e pensões já existentes antes da pandemia e mesmo o auxílio emergencial, poderiam ser feitos nos caixas eletrônicos, pelo sistema de biometria da digital. Isso é igual à se consultar ou atualizar conta bancária pré-existente. Até concordo que para se abrir uma conta bancária, seja necessário se apresentar pessoalmente e se ter pessoalmente os documentos originais conferidos, mas após, francamente! Já viram a m.... das filas? Já perceberam a m.... para os funcionários dos bancos que trabalham nesse atendimento e o nível de aglomeração e estresse? Mas têm politicos e governantes que vivem no Mundo Boludo! São boludos do kengo e babacas das idéias e nessa hora a tecnologia segura e econômica em todos aspedctos da sanidade social e existencial sequer é aventada! Só "sabem" de tecnologia para ficar de firula e ffrescura em rede social de nanocefalos malditos com cancro boludo encefálico pior que meio nano repolho canceroso, uma meia Couve de Bruxelas maldita!
    E por isso, Thomas Schifre, Stu Schifre (Stu - abreviação de Stuart) e depois não venham de "drama" no estilo Steve Schifre!

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  7. Rabugento O'Terryvil

    Certa vez fui ao Cinema Roxy, assistir um filme de aventura e terror, que não lembro exatamente o nome, mas estavam inaugurando um sistema de som e imagem no padrão dolby mais nítido.
    A sessão estava cheia e alguém "se ventou" e com aquele som e imagem de mortos-vivos, zumbis e o odor da "ventada". Que realismo, áudio-visual e odorifico! Tudo a ver!

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  8. É triste, mas ficou difícil evitar. Passei alguns dias de janeiro em Copacabana, em minha última viagem ao Rio, e confesso que fiquei estarrecido, com a quantidade de pessoas dormindo nas ruas, incluindo famílias inteiras,algumas até com carrinhos de bebê. Tudo isso é consequência de um governo genocida e agora, indubitavelmente, corrupto. Lembro-me que passei em frente ao Roxy e comentei com minha companheira que ele era um herói da resistência. Mas ele também acabou sucumbindo, e em minha próxima viagem ao Rio em julho, talvez já esteja transformado em templo, ou algo de relevância parecida.

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