Por dentro do biscoito Globo


Foto: Marcelo Migliaccio

São 4h50 da madrugada na escura Rua do Senado, na Lapa. Até os mais renitentes boêmios já entregaram os pontos. Não se vê viva alma, a não ser em frente ao sobrado número 273, onde cerca de 50 pessoas aguardam a abertura da fábrica do tradicional biscoito de polvilho Globo.

Foto: Marcelo Migliaccio
A fila de compradores começa bem antes de o sol nascer

Daqui a algumas horas, o sol estará brilhando na orla, mas a praia do carioca nasce ali, na escura Rua do Senado.

O primeiro da fila chegou às 2h. Fausto Ferreira da Silva, 80 anos, compra biscoitos para vender na Praia do Leblon há oito, desde que deixou o emprego de cozinheiro num restaurante do Centro.


Foto: Marcelo Migliaccio
Fausto Ferreira, o primeiro da fila
_ O produto é bom! Esse biscoito é dinheiro em caixa. Criança de um ano já aponta o dedinho quando a gente passa _ diz o vendedor, que paga R$ 25 por um saco de 50 unidades.

Pontualmente às 5h, um senhor franzino, de fala mansa mas articulada e segura, chega para abrir a fábrica. Milton Ponce segue essa rotina desde 1962, quando decidiu ampliar a produção da padaria Globo, em Botafogo.


Foto: Marcelo Migliaccio
Milton Ponce: o dono é paulista
Paulista, ele chegara ao Rio em 1954, trazendo de uma panificação antiga do bairro do Ipiranga a fórmula que junta polvilho, ovos, leite, açúcar, sal, gordura hidrogenada e água.

_ Muita gente pergunta por que não aumento a produção. Quase todos os dias, recebo propostas de franquia, mas isso aqui é como um bolo que você faz na sua casa.


Embora a fórmula de preparo seja simples, êxito comercial não é. Um sobrinho de Milton tentou fabricar um concorrente, batizado de Extra, mas o gosto nem se compara.
Foto: Marcelo Migliaccio
A fórmula não é mantida em segredo, mas deve haver um segredo

Milton diz que o segredo do sucesso são seus funcionários _ 18 no turno da manhã e quatro à tarde _ que chegam a produzir diariamente 15 mil saquinhos com dez rosquinhas cada durante o verão.


Foto: Marcelo Migliaccio
Além das praias, o biscoito também é vendido em padarias, com outra embalagem



_ Tenho funcionários comigo a 42, 38, 35 anos. Aquele está aqui desde os 11 _ conta, enquanto aponta para o forneiro Ednaldo Valdevino do Nascimento, 36.

Levado à fábrica por dois tios, ele acorda todos os dias às 3h20 para trabalhar.

_ A carcaça já calejou com esse horário.

Mas quem mete mesmo a mão na massa é Jailton da Silva Cardoso, que exercita os músculos e a sensibilidade dos dedos para achar o ponto certo. Como não pode usar luvas, sua maior preocupação é com a higiene.

Foto: Marcelo Migliaccio
Jaílton é quem mete a mão na massa. Com batedeira, não dá certo

_ Se colocar numa batedeira a massa queima porque não leva fermento _ explica. Já tentei usar luvas, mas elas impedem que eu saiba o ponto exato.

Milton brinca com a fidelidade dos funcionários.

_ Tem uma senhora aqui que, se eu demitir, dá um jeito de entrar pelo telhado. A maioria das empresas erra quando troca os empregados que ganham mais. Eu valorizo essa equipe.

Foto: Marcelo Migliaccio
O segredo da fábrica é valorizar os funcionários antigos

Seu calcanhar de aquiles é o empacotamento nos saquinhos de papel vendidos nas praias os únicos que resistem à ação do sol.


Foto: Marcelo Migliaccio


_ Já procuramos na Itália e na Alemanha, mas não existem máquinas para esse trabalho.

Ver empacotadores como William da Silva Torres atuando é um espetáculo. Numa velocidade tão grande que suas mãos desaparecem, ele enche um saco em menos de cinco segundos.



Foto: Marcelo MIgliaccio
William enche um saco com dez
em menos de cinco segundos

Apesar de não ser carioca, Milton já incorporou o espírito gozador e não liga para os apelidos de biscoito de vento ou me engana que eu gosto :

_ Devemos muito do nosso sucesso a essa irreverência.

Foto: Marcelo Migliaccio
Milton tem muitas propostas para abrir franquias, mas sempre recusa



* Matéria publicada no Jornal do Brasil em 2009



Comentários

  1. Apesar do nome, esse biscoito todo mundo gosta
    Cury

    ResponderExcluir
  2. Globo no masculino faz bem no feminino é um câncer...

    ResponderExcluir
  3. Com certeza, além do sabor único, o segredo deste sucesso esta aqui, na manutenção dos antigos funcionários: "A maioria das empresas erra quando troca os empregados que ganham mais. Eu valorizo essa equipe".

    ResponderExcluir
  4. Uma matéria tão legal e vem gente fazer esses comentários idiotas sobre o nome do biscoito...😡

    ResponderExcluir
  5. Rabugento O'Terryvil

    Outra Rosquinha Rodela, com todo respeito aos Biscoitos Globo, mas na atual situação do nosso globo, o Brasil hoje em dia, com o Estado paralisando e demonstrando cada vez mais estar em desarmonia em termos federais, estaduais e municipais para lidar com a Pandemia.
    Fora isso, temos crise hídrica, sujeitos à crise elétrica, incêndios no conjunto amazônico-pantaneiro e no cerrado central, seca no semi-árido do norte mineiro e nordestino. Regiões territorialmente contínuas de oeste à leste de nosso território, sendo o Atacama, logo ali e nessa ultima semana, nessa parte contínua do Brasil a temperatura aumentou em 5ºC, ainda não sendo esse aumento uma constante, mas se em termos médios constantes as temperaturas em todo Globo, Planeta, aumentarem 3ºC, será o início do princípio das profundas mudanças do Mundo que hoje conhecemos. Portanto, tenha as características climáticas que tiver ao longo das estações do ano, na parte que for do Planeta, basta atingir + 2ºC que estaremos à porta de entrada para a mudança ao novo planeta, sem sairmos da Terra.
    E mais, crise econômica agravada pela Pandemia, portanto, já de nítida percepção antes de 2020, inflação em alta e um Presidente da República, um Poder Executivo e seu grupo de apoio, que insuflam crises e mais crises entre os Poderes Federais e colocam em rota de colisão e embate as instituições do Estado e mesmo na estrutura organizacional do Estado Brasileiro, Estados Membros, Municípios no sentido das representações político-partidárias e com o Judiciário.
    Em termos internacionais, a Pandemia justifica o isolacionismo por motivos sanitários em 1º plano, servindo de argumento preparador das reações em cada país e respostas nacionais internas da reestruturação econômica das pessoas físicas e jurídicas se preparando para encarar o futuro que se delinha. E como os países de 1º e 2º Mundos estão voltados para o Afeganistão e também articulando atitudes e providências por lá, se aqui no Brasil, piorar, seremos deixados de lado, para nos virar até "Novo Afeganistão", virar. Esse o padrão.

    ResponderExcluir
  6. Em São Tiago MG, existem muitas fábricas como a do seu Milton. A cidade é conhecida como a " terra do café com biscoito".

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas