Banana indigesta

À primeira vista, achei fantástico o gesto do jogador Daniel Alves, que comeu em campo a banana atirada por um torcedor racista.

Achei que foi uma coisa nova, inteligente, espirituosa, bem-humorada, um tapa de luvas na cara dos fascistas que abundam por aí. Acreditei que pudesse ser um divisor de águas, uma coisa que marcasse o fim desse tipo de manifestação cada vez mais comum em estádios de futebol. Como a gente é tolo à primeira vista...

Com o tempo, eu vi que um monte de gente fascista em suas atitudes e na sua ideologia, gente que faz parte dessa engrenagem que produz cada vez mais neonazistas pelo mundo, também começou a elogiar o ato de revolta do jogador negro. Veja só: os condutores da nave que semeia violência, individualismo e consumismo mundo afora agora posam de bonzinhos em apoio ao Daniel Alves.

Quando certas pessoas começam a concordar com você é hora de rever sua posição.

E aí eu percebi que aquela banana deve ter dado uma indigestão imensa no Daniel Alves. As pessoas acham que foi fácil para ele assumir o papel que os fascistas esperavam que ele assumisse. Na verdade, ele apenas fez o que todos os torcedores racistas que atiram bananas para jogadores negros esperam: que o macaco coma a banana.

E Daniel Alves comeu.

Foi o gesto do negro-cordeirinho, do negro submisso, que ainda faz piada quando é ofendido.

A solidariedade dos janotas brancos do facebook, dos que vivem comendo alpiste na mão dos donos do sistema, dos que fazem qualquer coisa para aparecer na mídia, dos devoradores de novela... nada mais é do que uma purgação de seus pecados diários, entre os quais o preconceito racial tem papel de destaque.

Se pudessem, esses hipócritas ajoelhariam aos pés de Daniel Alves para agradecer por ele ter comido a banana e, mais uma vez, como fazem os negros desde que começou a escravidão, ter engolido esse sapo do preconceito, esse sapo indigesto e amargo. Daniel Alves engoliu na verdade, as cadeias repletas de negros, os assassinatos de jovens negros nas periferias, a maioria de negros em todas as favelas.

Daniel Alves redimiu os fascistas inrustidos. Tirou deles um tremendo peso na consciência. São esses mesmos que aplaudiram seu gesto submisso que se opõem às cotas para negros nas universidades, são contra o bolsa família, repudiam as políticas de divisão da renda e a igualdade de oportunidades para crianças negras e brancas, ricas e pobres.

Por isso Daniel Alves virou capa da mais fascista das publicações brasileiras, aquela feita por gente capaz de escrever um livro dizendo que no Brasil não existe racismo.

É isso que o macho branco dominante quer: que o negro coma as bananas que lhe atirarem fingindo ter bom humor quando deveria quebrar de uma vez por todas as correntes que o envolvem há séculos.


Comentários

  1. Confesso que não sei. Continuo achando que o gesto do Daniel Alves em si foi interessante, afinal o fato comer banana não torna ninguem mais ou menos macaco. Agora, a campanha que já estava pronta com direito a camiseta de 70 reais do Luciano Huck e o que se seguiu depois, foi de total hipocrisia. Se assumir como macaco seria realmente fazer o que querem os facistoides de plantão e jogadores em sua maioria mal educados e incultos não representam o que pensam os negros deste País.

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  2. Quando vi a cena, logo pensei que foi um erro ele ter comida a banana, pois isso o torna subserviente do babaca que a jogou.
    Ele deveria dar uma banana com os braços na direção de quem a jogou a não comê-la.
    Quanto aos que protestaram, a maioria é oportunista e só que sair bem na foto, mas na verdade, também "jogam banana" diariamente para os seus empregados e funcionários.
    Cury

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  3. Olá, Marcelo!

    Tive a mesma sensação quando vi Luciano Huck e Angélica comendo banana.
    Como já ouvimos muito: toda unanimidade é burra (Nelson Rodrigues?).

    Como sempre, parabéns pela finura do raciocínio e a capacidade de tornar sensação em razão.

    Abraços fraternos,

    Wanda Rodrigues

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  4. Tudo teatro! E com atores conscientes e inconscientes. O próprio jogador surpreendeu quando disse que comeu a banana num ato natural, não tendo intenção alguma de criar um gesto de resposta ou coisa parecida. O que não surpreende é essa turminha, muito bem representada pela criatura Luciano Hulk, querer posar de boa moça, pegando carona e faturando em cima da ignorância. Racismo é Ku Klux Kan ! André Guimarães.

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  5. Creio que Daniel Alves não pensou em nada disso. Foi um gesto automático apenas.
    Mas há oportunistas em todo lugar, que apenas foram na moda da banana e pousam como antirracistas.

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  6. Tem pessoas que tem facilidade para enxergar em situações ou acontecimentos( igual a este ai da BANANA). pois é, eu sempre tive essa facilidade. Não sei se é paranoia, ou algum DOM. mais achei muito estranho, o jogador não pensou se era algo para comer, e comeu. Ai tem truta.

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  7. Concordo contigo, mas afinal, banana não é para qualquer um, até porque, os "bananas" não comem banana, eles se bastam em sua gabola arrogância de quem é metido a entender de algo que nunca se interessou em praticar, estudar. Esporte!
    Os Bananas Humanos não passam de puxa-sacos de gabinete. Oportunistas que enganam somente bobos que lhes dão oportunidade e ouvidos. O meio do jornalismo esportivo está cheio deles, principalmente em emissoras que se julgam de "elite".
    Felicidades e boas energias.

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  8. O Daniel Alves deu foi sorte, poderiam ter jogado nele um vaso sanitário. Futebol ta perdendo a graça assim como aconteceu com a formula 1.

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  9. Na primeira manifestação de ódio, racista ou de qualquer natureza, o juiz dá cartão amarelo pra torcida. Reincidiu, torcida expulsa. Se houver violência na recusa em se retirar, time ofendido vence de 6x0 independente do placar do momento. drum

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  10. Parabéns pela lucidez e contundência.Assino embaixo.Basta de cínicos argumentos relativistas neoliberais tão presentes nos meios de comunicação.
    Enquanto a prática persiste, a Lei 7.716, que define os crimes resultantes de discriminação e preconceito racial, completou 25 anos ...imaginem se não houvesse a lei .

    Considero o preconceito a maior estupidez humana - o Holocausto é só uma das infinitas consequências (a mais trágica) dele - e mais danoso do que doença. Tanto é verdade que o Einstein afirmou:"Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito".
    Para não parecer deselegante ou ser mal compreendido, reproduzo uma das inúmeras evidências do país como um dos mais preconceituosos do mundo, a seguir.

    Segundo a psicóloga Sylvia Nunes, que pesquisou sobre o preconceito sutil no Instituto de Psicologia da USP, as pessoas ainda precisam pensar e discutir o tema de forma mais eficaz, a fim de reconhecer o racismo. Como aponta o estudo, a discriminação, da maneira como vem sendo perpetuada, está cada vez mais “escondida, encubada”, porém, ainda existente e resistente, tornando a luta contra o preconceito racial mais difícil.

    Já houve épocas em que a forma mais comum de racismo era a explícita, chamada pela autora de “preconceito flagrante”, uma maneira de discriminação que geralmente envolve violência, xingamentos, agressão física e verbal, e é de “fácil percepção” e até de “denúncia”. Enquanto isso, o preconceito sutil é o mais corriqueiro, e se utiliza, por exemplo, de brincadeiras, piadas, omissões, ausências e apelidos que parecem “inocentes”.

    Outro dado interessante é que os homens se mostraram mais preconceituosos que as mulheres.
    “Tanto o Estado quanto a mídia contribuem para esse racismo velado e institucional, construindo o modo como as mulheres são retratadas. A imagem da Globeleza na TV, por exemplo, é uma mostra da hipersexualização da mulher negra como produto de exploração sexual”, avalia.

    Em seu estudo, ao prestar atenção nos discursos, era evidente a sutileza do preconceito, e o quanto as pessoas quase sempre dizem que o racista não é ela própria, e sim o outro.

    Depois de feitas as entrevistas, Sylvia formulou “categorias de análise” para estudar o aspecto qualitativo do estudo. Ao todo, apontou seis categorias, que sistematizam o que foi encontrado e detectado nos discursos, como evidência do preconceito sutil.

    Por exemplo, na categoria “Brincadeiras racistas”, o estudo revela o quanto a sutileza racista conquista lugar no universo do lúdico, das brincadeiras e apelidos, onde tudo parece não ser tão real ou sério, apesar de serem, quando o tema é preconceito.

    Já a categoria “O dedo apontado para o negro” é composta pelas falas daqueles que recorrem ao discurso de que, na verdade, quem é preconceituoso e não aceita a si próprio é o negro, ou seja, fala por meio da qual há a culpabilização da vítima. Há também os discursos que se encaixam na categoria “Pseudoneutralidade”. “Esses, os enrustidos, são aqueles que se protegem, que se incomodam sim com o tema, mas não encaram, e tentam se dizer neutros, imparciais, como se as situações cotidianas que envolvem preconceito sutil fossem indiferentes”.


    O último grupo formulado pela psicóloga chama-se “Admissão do próprio racismo”. Nele, estão contidas as únicas duas falas nas quais foi assumida a existência do racismo. É nessa admissão que está a melhor maneira de lutar contra o preconceito sutil. “Quando admitimos e reconhecemos o quanto somos, sim, racistas, temos mais elementos para decidir, e para refletir sobre nós mesmos. Falar do assunto, mexer com o assunto, expor o tema e perceber o racismo é bom, e nos faz militantes de nós mesmos quando nos deparamos com qualquer situação de discriminação”, conclui a autora.

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    1. Gostei muito do post. Boa pesquisa. Tenho gasto bom tempo da minha vida, mexendo, questionando, discutindo e brigando mesmo, contra todos os tipos de preconceitos, pedantismos e abusos em relação aos outros, principalmente os mais fracos, minorias, menos favorecidos socialmente. Sou militante de carteirinha.

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    2. Obrigado pelo gentil elogio.Continue na batalha, pois esta luta é eterna, posto que os preconceitos -sem nenhuma fundamentação científica ou acadêmica - são incutidos na cabeça das pessoas entre os 3 e 9 anos de idade. Poucos se dão ao trabalho, depois de adultos, de repensarem ou atualizarem estes dados errôneos e tão fomentadores de violência e emburrecidas discriminações.Admiro profundamente sua militância.

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  11. NãoSomosMacacos
    Forma equivocada de se combater o racismo institucional
    Jornal do Brasil
    Walmyr Junior

    Cansado de ver os debates acerca da mitológica democracia racial no Brasil, quero corroborar que a campanha publicitária que ganhou notoriedade com a frase #SomosTodosMacacos é uma forma equivocada de se combater o racismo institucional nos esportes e em outros meios da sociedade.



    Estarrecido com a quantidade de fotos de pessoas comendo bananas e dizendo que são macacos em meu feed de notícias no Facebook, confesso que não aguentei e resolvi tentar desconstruir essa falácia vendida, que só tem por finalidade reafirmar que os negros e brancos da sociedade vivem em igual condições sociais – sabemos que isso é mentira.
    Primeiro, em que medida essa campanha efetivamente se contrapõe ao racismo?
    Segundo Rodger Richer, estudante de ciências políticas da UFBA (Universidade Federal da Bahia) essa campanha “é uma forma – a meu ver, equivocada – de protestar contra o racismo ocorrido nos estádios de futebol com jogadores negros, que tenta re-significar o termo "macaco", sendo que esse mesmo termo sempre foi utilizado para discriminar negros. Não acredito que adotar esse termo seja uma forma efetiva para se contrapor ao racismo.
    Segundo, tentar colocar uma forma de discriminação no mesmo saco, como se todos sofressem com o racismo, é algo muito equivocado.
    Sabemos, evidentemente, que somos todos seres humanos. Entretanto, cada um de nós possui especificidades de raça, classe, gênero, etnia, sexualidade e religião. Portanto, não podemos concordar com generalizações do tipo #SomosTodosMacacos, pois quem sofre com essa discriminação não é todo mundo. São negros e negras que sofrem com o racismo todos os dias, seja com insultos como esse, seja, até mesmo, com o genocídio do povo negro e o racismo institucional.
    O racismo é algo muito sério. Não podemos dar as costas para ele e fingir que não existe. O racismo mata todos os dias. Não vivemos em uma democracia racial, como alguns pensam. Casos como o ocorrido com Daniel Alves não podem ser tolerados. Para tanto, recorrer à justiça para punir quem comete o racismo é fundamental.
    Me espanta ver tanta gente postando nas redes sociais fotos comendo banana e dizendo que é macaco. Quem é negro sabe o quanto essa palavra é ofensiva para nós. Sei que a intenção das pessoas que postaram essas fotos foi de se contrapor ao racismo ocorrido nos estádios. No entanto, acredito que essa não foi a melhor forma, essa lógica só reforça a lógica das opressões que sofremos todos os dias”.

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  12. Parabéns pelo brilhante post. Você lavou a minha alma. Acho que desde sempre, tenho sofrido muito a pecha de mal humorado e anti-social (tendo certeza que não sou nada disso), por não alimentar piadas de mal gosto, preconceituosas e maléficas a toda e qualquer minoria. TEM COISAS QUE NÃO PODEMOS ACEITAR DE FORMA NENHUMA E DE NINGUÉM. DESRESPEITO, É UMA DELAS. Se me sinto afrontado e ou desrespeitado no meu direito de existir e me expressar como todo e qualquer ser humano, reajo com a mesma moeda. Devolvo a bola para quem me jogou. O brasileiro precisa urgentemente acabar com essa maldita e enganosa ideia que todo mundo é gente muito boa, que "brasileiro é tão bonzinho!", que somos o país da cordialidade e que tudo aqui acaba em chope e batata-frita. Não dá pra ficar bancando o bom moço o tempo todo. Para quem me desse uma banana eu mandaria enfiá-la no lugar mais indicado para quem me dá uma banana sem eu pedir. Sinceramente, até Cristo que adorava dar a outra face, soube a hora de expulsar os vendilhões do templo aos gritos e pontapés. Fala sério!
    Theo Lima

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  13. Muiiiiiiiito bom e apropriado e mais do que oportuno este comentário do sr. Theo. Corroborou e colocou mais molho no seu excelente e lúcido post, Marcelo.

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  14. Nada a ver Marcelinho
    Fique peixe & curta a musica

    Sou Flamengo e tenho uma nega chamada Tereza...

    Torelly

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  15. Marcelo,
    Parabéns, mais uma vez, você foi perfeito.E destaque para o comentário do Théo Lima. Parabéns a todos.
    Abraços

    Alcinete Campos

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