A merendeira do Batman

Além da bicicleta Tigrão e do Pega-pega Troll, eu tive um outro sonho de infância nunca realizado: ter uma merendeira do Batman. Não era uma lancheira qualquer, de plástico como as que a maioria das crianças brasileiras teve, era de metal, com desenhos incríveis e em alto relevo! Estrangeira. Naquela época, eu pensava que estrangeiro era quem nascia num país chamado Estranja. Outro dia, depois de muito procurar, achei uma foto dela (da lancheira, não da Estranja) na internet. Voltei ao passado em êxtase.



Eu era fã do homem-morcego. Chegava a sonhar com o personagem vivido por Adam West na série televisiva dos anos 60. Imagine então ver aquele herói em ação na merendeira de um colega. Tudo escrito em inglês! Graças ao sacrifício dos meus pais, eu estudava num colégio de ricos. Ficava muitas vezes chocado com a diferença abismal entre eu e as outras crianças. Todas já tinham ido à Disneylândia, o que eu só consegui fazer aos 30 anos de idade. Chegavam de motorista, enquanto eu era o primeiro a ser pego e o último a ser deixado pelo velho ônibus escolar. Saía do colégio às 17h30 e chegava em casa às 19h. Na hora de colorir, eles exibiam aqueles caríssimos estojos de lápis de cor Caran d'Ash. E eu com minha hidrocor que secava em dois tempos. Nada, entretanto, que tirasse a magia da infância, porque o fascínio das crianças pelas cores independe do preço do estojo.



Não, não era fácil conviver com aqueles filhos da elite de sobrenomes pomposos. Tinha o Stern, a Noronha de Sá... Lembro que um dia perdi o horário do ônibus escolar e meu pai me levou até a escola numa caminhonete velha que ele tinha. Entrei na sala todo orgulhoso e comentei com o colega mais próximo:

_ Hoje eu vim com meu chofer!

É, criança é assim. Aos 6 anos, a mentira é a única arma. Algumas nunca amadurecem, infelizmente. Eu também detestava ser filho único. Todos na sala tinham irmãos, ou quase todos. Então eu mentia que tinha dois, um mais velho e outro mais novo. Mentia também que tinha fazenda, só não sabia onde era. Quando uma professora me perguntou, fiquei pálido e disse a primeira coisa que veio na cabecinha:

_ É em São Conrado...

Imagine, uma fazenda em São Conrado!

Eu, que morava num conjugado na Rua Visconde Pirajá, ficava maravilhado com as mansões dos meus colegas. O pai de um deles tinha um Lotus Europa na garagem... isso em 1970! Quando eu vi, não acreditei.



O pior é que, depois de dois anos, saí daquele colégio de elite para uma escola pública municipal na Urca, para onde minha família havia se mudado. De mais pobre do colégio, passei a ser o mais rico. Outro choque. Convivi com o filho do banqueiro e do faxineiro, aprendi muito com ambos.

Mas acho que carrego um trauma, aliás, vários, mas um é de estimação: não ter tido uma merendeira do Batman. Tive aquelas de plástico, onde levava dois biscoitos cream cracker com manteiga envoltos em papel alumínio e uma garrafinha de refresco de maracujá. E, na hora do recreio, enquanto saboreava meu lanche, babava naquelas cenas vibrantes da dupla dinâmica combatendo o crime e salvando uma criancinha de um incêndio.

Como era bom ser criança!

  







Comentários

  1. Essa convivência entre ricos e pobres é altamente salutar para a formação do cidadão. Essa mistura entre Morro e favela é possível no Rio, mas em São Paulo dificilmente a elite se mistura com a plebe que vem da periferia. Isto por muito tempo tornou o carioca mais democratico e solidario, mas parece que agora degringolou. Mas talvez tenha sido esta mistura que tornou você a pessoa humana que é. Uma pena que estas características suas estejam perdendo espaço em nossa sociedade, para o fundamentalismo e flertando com o fascismo.

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  2. Aqui em São Paulo nós chamamos de lancheira rsrsr, demorou um pouquinho pra eu descobrir o que era merendeira rsrsrs, sempre estudei em escola pública e merendeira eram as senhoras que faziam a comida rsrsrs, aliás no meu tempo só estudava em escolas particulares que eram rars quem não conseguia acompanhar a pública . Quanto a merendeira do Batman,nunca é tarde para se realizar um sonho.

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  3. Meu pai não tinha carro, mas acho que era muito mais divertido ir de trem aos domingos na Quinta da Boa vista passear e brincar.
    O filme O Menino do Pijama Listrado retrata bem que entre as crianças não há acepção de pessoas, isso é coisa de adultos.

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